Militares fora da política (por André Gustavo Stumpf)
O governo Lula está preocupado em demarcar uma linha vermelha que não pode ser ultrapassada pelos militares
atualizado
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O governo Lula hesita em ter uma relação aberta e formal com os militares. O projeto de lei abraçado pelo senador Jacques Wagner (PT-BA) tem boas intenções, mas é insuficiente. Segundo o texto, qualquer militar da ativa que quiser se candidatar a cargo eletivo terá que passar para a reserva remunerada. Os que não têm tempo para aposentadoria, serão obrigados a deixar a força. O projeto de lei, que começará a ser votado pelo Senado, protege o corpo militar e tenta isolar os quarteis do exercício da política.
Política e os militares, no Brasil, são quase sinônimos. Os militares estão dentro do exercício do poder público desde a Proclamação da República que, não por coincidência, teve como os dois primeiros presidentes os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. O cargo não mais existe na hierarquia atual das três forças. Foi extinto pelo ex-presidente Castello Branco, que ele, também, foi um marechal. Era um nível acima do general de quatro estrelas, ou general de Exército.
O governo Lula está preocupado em demarcar uma linha vermelha que não pode ser ultrapassada pelos militares. Ele já anunciou verbas poderosas para as três forças desenvolver seus projetos e tentar, assim, dar um trabalho específico para os oficiais de alta patente. Ou seja, manter o pessoal de farda longe da atividade política. É uma utopia. No Brasil esta linha nunca foi respeitada e o exemplo recente do governo Bolsonaro mostra que os militares gostam de participar da coisa pública e se beneficiar com maiores salários e recursos vultuosos para trabalhar nos seus projetos.
Eles criam empresas de capital misto com recursos públicos. Estas se tornam o caminho natural para abrigar militares que por qualquer razão deixaram a carreira ou se aposentaram. Neste sentido, as lideranças do PT e a dos militares tem o mesmo sentimento de urgência: criar empresas estatais para colocar seus quadros lá. É uma defesa natural. A Infraero foi durante muitos anos o paraíso dos militares da reserva, que além dos salários viajavam em condições superiores às dos civis.
A Marinha do Brasil, respeitável instituição militar, pequena, menor que a Polícia Militar de São Paulo, concentra-se majoritariamente no Rio de Janeiro. Dentro da Baía de Guanabara localiza-se a base de submarinos, junto da ponte Rio-Niterói. Os fuzileiros navais se alojam na avenida Brasil. Em Itajaí, também no estado do Rio, ficam os estaleiros onde estão sendo fabricados novos submarinos, um deles nuclear. A Marinha, na realidade, é carioca. Na Bahia existe uma base naval que opera com navios de casco de madeira. E administra o local onde os presidentes da República adoram passar longos feriados.
A planejada criação da Segunda Armada, na ilha do Meio, na baía de São Marcos, no Maranhão, ainda não ocorreu. Até hoje não foi descoberta a origem do petróleo bruto que emporcalhou as praias do nordeste há quatro anos. É claro que houve um transbordo de petróleo em alto mar, quando a Venezuela estava cercada por rigorosas sanções norte-americanas. O óleo vazou e veio bater no Brasil. Mas não há controle de radar ou fiscalização. Além disso, a costa norte é desprotegida. O Estado brasileiro não está presente. É o paraíso de piratas e contrabandistas.
A Aeronáutica tenta se desenvolver, apesar de ter estreita relação com o Palácio do Planalto. Oficiais de alta patente utilizam os aviões da Força Aéreas sem qualquer inibição. E não há qualquer controle sobre o que levam e trazem. É uma porta aberta nas bases aéreas de todo o país. A prisão de um sargento com quarenta quilos de cocaína pura na Espanha ocorreu por azar do portador da droga. O avião estacionou em local não previsto. Normalmente aviões militares não são revistados. Toda semana um Airbus da FAB, A330, levanta voo de Brasília em direção ao Rio de Janeiro. Vai cheio. Na classe executiva viajam funcionários graduados do governo, suas esposas, filhos ou amantes. De graça.
Os norte-americanos resolveram a questão dos militares na política de maneira mais fácil e objetiva. Lá, os cargos públicos de primeiro escalão são todos exercidos por civis. Os militares não podem assumir estes postos a não ser em condições excepcionais e com autorização legislativa. Parece mais fácil adaptar a norma dos Estados Unidos à realidade brasileira. No mundo desenvolvido os civis determinam os objetivos das guerras. Os militares dão os tiros. Foi assim no Iraque e no Afeganistão, dois episódios recentes de conflitos localizados dos Estados Unidos. E na Rússia, o mercenário que tentou o golpe contra a autoridade constituída morreu. Quem faz a guerra, também na Rússia, são os civis. Clausewitz foi preciso ao afirmar que “a guerra é a continuação da política por outros meios”.
André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)