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Memórias da Revolução dos Cravos em Portugal (Por Tereixa Constenla)

O cabo que não atirou, o sargento que vigiava Marcelo Caetano e o capitão que agrediu a rádio

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Alexander Spatari/Getty Images
Foto colorida da bandeira de Portugal e há construções em volta do mastro
1 de 1 Foto colorida da bandeira de Portugal e há construções em volta do mastro - Foto: Alexander Spatari/Getty Images

O golpe de Estado contra a ditadura portuguesa levou 5.000 soldados às ruas na madrugada do dia 25 de abril de 1974, assim que ouviram Grândola, vila morena , a canção de José Afonso. Cada um deles desempenhou um papel, crucial ou secundário, para contribuir para o sucesso daquela missão histórica, que foi desdobrada sem violência nem vingança em mais de 40 ações desenhadas pelo comandante de artilharia Otelo Saraiva de Carvalho , um dos três membros da liderança do Movimento das Forças Armadas (MFA), constituído por cerca de 300 capitães.

O golpe transformou-se numa revolução em poucas horas, quando os portugueses saíram às ruas para evitar que a revolta contra o regime, então liderada por Marcelo Caetano, retrocedesse. O gesto de uma empregada de mesa chamada Celeste Caeiro, que distribuía cravos entre os soldados porque não tinha cigarros, deu nome ao que estava a acontecer. Mas antes da festa que aconteceu no país, finalmente livre de 48 anos de repressão e censura , houve vários momentos de tensão em que tudo poderia ter saído dos trilhos. Alguns dos seus protagonistas recordam essas tensões meio século depois.

O cabo que desobedeceu à ordem de atirar

Durante 40 anos, ninguém soube o nome do homem que se trancou em seu tanque para não ter que abrir fogo contra seus companheiros na manhã de quinta-feira, 25 de abril de 1974. Em 2014, após sua identidade ser revelada graças a investigação jornalística de Adelino Gomes e Alfredo Cunha, José Alves da Costa recebeu do Presidente da República a distinção de Grão-Mestre da Ordem da Liberdade. Em 1974 estava no comando de um tanque M47 que saiu às ruas para defender a ditadura. Junto ao rio Tejo, o brigadeiro-general Junqueira dos Reis ordena ao cabo Costa que dispare contra o capitão Maia e as suas tropas, que percorreram à noite os 80 quilómetros que separam Santarém de Lisboa para derrubar o regime.

Diante da evasão do cabo, o general saca sua pistola e lhe diz: “Ou abre fogo ou atiro na sua cabeça”. José Alves da Costa acalmou-o, entrou no seu tanque de guerra, fechou a escotilha por dentro e só saiu depois de várias horas, quando a revolução já estava na rua. “Se ele atirasse, só eu morreria. Mas se eu atirasse, dezenas ou centenas de pessoas morreriam. Disparar não era uma opção para mim, só o teria feito se tivesse a certeza de que não causaria danos”, explicou durante uma entrevista na sua aldeia de Balazar, no Minho, em dezembro passado.

O sargento que vigiava Marcelo Caetano no carro blindado

Manuel Correia da Silva foi um dos 240 membros da coluna de cavalaria comandada por Salgueiro Maia. Foi também um dos militares que recebeu um cravo de Celeste Caeiro, quando estavam no Rossio, no centro de Lisboa, sem que nenhum deles soubesse que se batizavam naquela quinta-feira histórica. Mas o mais chocante para o sargento Correia da Silva foi ter de vigiar Marcelo Caetano, símbolo da ditadura, após a sua rendição. O ditador permaneceu durante várias horas sitiado no quartel do Largo do Carmo pelas tropas do Capitão Maia. Depois de entregar o poder ao general António de Spínola , que não pertencia ao Movimento das Forças Armadas (mas isso é outra história), Caetano desce as escadas e entra no carro blindado acompanhado por dois ministros.

O sargento está sentado ao lado dele. Durante o percurso até ao quartel da Pontinha, onde a liderança rebelde o esperava, ninguém falou. “Em 24 horas o homem que tinha todo o poder tornou-se prisioneiro. As únicas palavras que ouvi dele foram uma resposta que deu a um soldado: ‘É a vida’. Os rebeldes querem uma evacuação pacífica e proteger o ditador da ira dos cidadãos, que estão concentrados no Largo do Carmo. “Demoramos uma eternidade a sair de lá em direção ao posto de comando do MFA porque o povo queria fazer justiça com as próprias mãos. O carro blindado, que pesa toneladas, balançava como um junco e ouvíamos gritos de ‘Morte ao fascismo’ e ‘Morte a Marcelo Caetano’.

O comandante que assaltou o rádio

A Aeronáutica distanciou-se do levante contra a ditadura, realizado exclusivamente por unidades do Exército, mas alguns de seus oficiais participaram a título pessoal. Foi o caso de José Manuel Costa Neves, engenheiro aeronáutico com patente de comandante, que liderou a ocupação do Rádio Clube Português, estação a partir da qual eram transmitidas todas as comunicações do Movimento das Forças Armadas a partir das 4h26 da manhã. 25 de abril de 1974. Costa Neves protagonizou uma famosa história num dia dado ao surrealismo, quando se esqueceu das pistolas Walter que o seu grupo teve de transportar no assalto à estação. O policial havia trancado o carro com as armas dentro e pediu a um policial que ajudasse a forçar a porta com um arame. Impressionado com os bons modos de Costa Neves, o agente lhe disse: “Se todos tivessem a mesma civilidade que você acabou de demonstrar, a vida dos policiais seria muito mais fácil”.

Horas depois, o gentil policial acabaria detido no estúdio número 5, onde os rebeldes aprisionavam forças leais ao regime. “A certa altura, para acalmar a tensão que se gerava entre os polícias detidos no estúdio, o que não era estranho dada a pequenez do espaço onde se encontravam, tentei explicar-lhes o que se passava e dei-lhes água e tabaco que estava no bar da estação”, lembrou Costa Neves por e-mail. Ali passou duas noites sem dormir e fez amizade com o locutor Joaquim Furtado, que leu o primeiro comunicado dos rebeldes. O único arrependimento que o acompanha desde aquele dia é não ter pedido desculpas ao policial que o ajudou a arrombar o próprio carro e que acabou preso horas depois.

(Transcrito do El País)

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