Mato Grosso extingue área de conservação na Amazônia (Angela Kuczach)
Mais uma contribuição para eventos climáticos extremos
atualizado
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Na fronteira do Arco do Desmatamento, no município de Alta Floresta, ocorre hoje um dos piores casos de retrocesso ambiental da história recente do Brasil: a extinção do Parque Estadual Cristalino II. O recente veredito do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), favorecendo a Sociedade Comercial do Triângulo Ltda na disputa em torno da Unidade de Conservação, é um dos mais graves ataques ao meio ambiente da atualidade e levanta sérias preocupações sobre a proteção da biodiversidade na região, comprometendo não apenas essa área, mas todo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), a Lei que rege as nossas áreas protegidas.
O Parque é considerado um dos mais importantes em biodiversidade do sul da Amazônia e sua criação cumpriu todos os ritos da legislação estadual de Mato Grosso, vigente à época (abril de 2001). Porém, isso não foi o suficiente para o TJ-MT, que ao deferir em favor da empresa em questão, abre brechas para atividades econômicas de alto impacto ambiental, como mineração e desmatamento, estabelecendo um precedente perigoso. Essa decisão compromete não apenas a integridade do ecossistema local, mas também enfraquece os princípios fundamentais do SNUC, ameaçando a eficácia das medidas de conservação em todo o país.
Esta é a decisão em segunda instância do TJ-MT, que teve uma primeira tentativa em 2022. Na época, organizações da sociedade civil e o Ministério Público encontraram um erro no processo e impediram o pior no âmbito jurídico, porém, na prática, o Parque sofreu com desmatamento e incêndios que queimaram quase sete mil hectares de floresta.
Junto com o desmatamento e as queimadas, vieram também vários pedidos de exploração feitos à Agência Nacional de Mineração. Agora, com o risco da extinção do Parque, as mesmas ameaças rondam a área, com novos requerimentos de mineração e grupos de garimpeiros já chegando na região, apenas aguardando a publicação da extinção da UC, pois enquanto o Parque existir, esse tipo de atividade não pode ocorrer.
Na prática, significa destruição da floresta e dos animais que vivem nela, isso sem contar com o impacto na qualidade de vida da população mato-grossense e na contribuição para a emergência climática. A Amazônia é responsável pelos chamados rios voadores, ou seja: as chuvas que caem no sudeste e sul vêm diretamente de lá e o Parque contribui significativamente para isso.
Nem tudo estaria perdido, no entanto, se o estado de Mato Grosso fizesse sua parte e recorresse da decisão aos Tribunais Superiores. Porém, o próprio governador Mauro Mendes (União-Brasil) manifestou-se contra essa possibilidade falando publicamente que a indenização para regularizar o Parque custaria muito aos cofres públicos. Uma análise da situação fundiária, no entanto, mostra um cenário diferente: na época da sua criação, o Parque era coberto por florestas que pertencem à União, ou seja, terras públicas, e que foram repassadas ao Estado em 2011 pelo então governo Dilma “preferencialmente para fins de proteção da biodiversidade”; quer dizer: essas terras foram griladas e, portanto, não podem ser indenizadas pois já pertencem ao povo brasileiro. Também vale ressaltar que até alguns meses atrás, o governador fazia campanha pela estadualização do Parque Nacional da Chapada dos Guimarães, prometendo o investimento de R$200 milhões em 3 anos para alavancar o turismo.
O Parque Estadual Cristalino II tem uma área total de 102 mil hectares e é uma das mais importantes barreiras contra a devastação da Amazônia, além de abrigar espécies ameaçadas de extinção, como o macaco-aranha-de-cara-branca, a onça-pintada e a harpia, entre tantas outras espécies.
Para reverter essa decisão e evitar danos irreparáveis à área e ao SNUC, o Ministério Público e o governo de Mato Grosso precisam cumprir seu papel e agir com urgência, utilizando todos os recursos legais disponíveis para garantir a manutenção do Parque Estadual Cristalino II. Preservar esse ecossistema não é apenas uma questão ambiental, mas uma responsabilidade moral e ética que exige ação imediata e determinada. Do contrário, toda a sociedade brasileira pagará uma conta social, ambiental e econômica em favor de poucos.
Angela Kuczach é Diretora-executiva da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação