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Mais um crime de Bolsonaro (por Mary Zaidan)

Procuradoria-Geral esforça-se para poupar o presidente, sua prole e os queridinhos do governo

atualizado

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André Borges/Especial para o Metrópoles
Jair Bolsonaro e Augusto Aras
1 de 1 Jair Bolsonaro e Augusto Aras - Foto: André Borges/Especial para o Metrópoles

Jair Bolsonaro prevaricou. Sabia das irregularidades envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin pelo menos desde o dia 20 de março, talvez antes. Mas só depois de um vexaminoso puxão de orelha da ministra do STF Rosa Weber, a Procuradoria-Geral da República se coçou e pediu a abertura de inquérito contra o presidente. Preferia não fazê-lo, repetindo a omissão deliberada que tem caracterizado sua atuação desde que Augusto Aras chegou por lá.

No avesso das atribuições do Ministério Público – “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” -, a PGR tem se primado pelas vistas grossas a qualquer delito que passe perto de Bolsonaro, sua prole e os queridinhos do governo. Foi assim diante da participação do presidente em atos antidemocráticos e na investigação das fake news que militantes, o próprio Bolsonaro e seus zeros espalham. Esfriou as investigações sobre o envolvimento do ex-ministro do Meio-Ambiente Ricardo Salles com madeireiros e finge desconhecer as pregações diárias contra a legitimidade do voto e as ameaças de ruptura caso a cédula não seja impressa. Não move um dedo para impedir que Bolsonaro continue na sua cruzada em favor da disseminação do vírus.

A Procuradoria-Geral já havia sido instada a se pronunciar quanto à conduta do presidente na pandemia, sua pregação contra o distanciamento social e o uso de máscaras, incentivando, com seu comportamento pessoal, práticas que provocam danos coletivos, contágio e até morte. Negou-se a dar qualquer providência. Nada fez também quanto ao famigerado tratamento precoce, comprovadamente ineficaz, mas com o condão de levar milhares de brasileiros a crer na falsa cura e se infectar.

Diante de mais de meio milhão de mortes, a instituição, se séria fosse, nem precisaria ter motivação externa – e foram várias, incluindo uma por genocídio. Com fartura de provas, a começar pelas falas do presidente, deveria ter a iniciativa de abrir procedimentos. Mas optou por defender “Bolsonaro versus o Povo”, invertendo a lógica que deveria inspirar o Ministério Público.

Pressionada por Rosa Weber, a PGR voltou atrás na decisão inicial de só investigar o presidente no caso Covaxin depois da conclusão da CPI da Pandemia. Na sexta-feira, se viu forçada a solicitar ao STF a abertura de inquérito contra Bolsonaro, obtendo deferimento no mesmo dia. A prontidão da ministra não surpreende, vista a marca de diligência que construiu ao longo dos anos. Já a reação célere da PGR causa estranheza pelo histórico de inação diante de casos envolvendo o presidente.

A rapidez talvez se explique pela certeza de que esse inquérito pode empacar como o outro que corre no STF contra Bolsonaro – e pelos mesmos motivos. No ano passado, o presidente foi denunciado pela tentativa de intervir na Polícia Federal, ato exposto em áudio e vídeo da reunião ministerial de abril, a mesma da passagem da boiada defendida por Salles. A ação está parada porque o Supremo ainda não decidiu se o presidente tem de depor presencialmente ou se a ele é dada a deferência de fazê-lo por escrito. Mirando nesse (mau) exemplo, a PGR já adiantou que pretende ouvir Bolsonaro. Terá, portanto, de aguardar o pronunciamento do STF, previsto para setembro, para saber se de viva voz ou não. Um tic-tac de 90 dias que coincide com o prazo auto-estabelecido pela Procuradoria para a apuração dos fatos.

Mas o pior está por vir. Para além da prevaricação, a abertura de inquéritos sobre o que a CPI já colheu – opção do governo Bolsonaro pela imunidade de rebanho via contaminação em massa (mesmo ao custo de milhares de vidas), estímulo ao uso de medicamentos ineficazes, demonização do isolamento social e da máscara, atraso na aquisição de vacinas – também depende da turma de Aras. Ou de uma ação política poderosa capaz de fazer o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL) dar sequência a pelo menos um dos 120 pedidos de impedimento que dormem na sua gaveta.

Difícil imaginar que Aras, cuja indicação para o STF ou para renovar o mandato fala mais alto, muito menos Lira, chefe da trupe do “quanto mais o governo se enrolar mais caro vamos cobrar”, farão algo em favor do país. Para qualquer lado que se olhe, só as ruas, na direção do impeachment ou das urnas, podem restabelecer “O Povo versus Bolsonaro”.

Mary Zaidan é jornalista

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