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Madonna e as águas: uma explosão (por Gustavo Krause)

O Brasil tem vivido fortes e variadas emoções

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Buda Mendes/Getty Images
Madonna com Pabllo e bandeira nacional
1 de 1 Madonna com Pabllo e bandeira nacional - Foto: Buda Mendes/Getty Images

O Brasil tem vivido fortes e variadas emoções. Cada uma à sua maneira: o 08 de janeiro, a tragédia das águas enfurecidas no Rio Grande do Sul, o inesquecível e colossal evento, protagonizado pelos múltiplos talentos de uma “jovem senhora”, de 65 anos, que desafia a resistência da cabeça, tronco e membros.

Bingo! Madonna acertou em cheio ao escolher o palco para celebrar a longeva data redonda das quatro décadas: o Rio de Janeiro, sob as bençãos do Cristo Redentor, praia de Copacabana, a “princesinha do mar” onde tudo é encanto e poesia, brilho do sol poente, do sol nascente e das faíscas noturnas das estrelas.

Na moldura, o imponente Copacabana Palace, testemunha silenciosa de fazeres, lazeres, prazeres, não perde de vista o espetáculo magnífico; contempla o perfil feminino e sensual da cidade esculpida em saliências e reentrâncias: os morros que enxergam longínquos horizontes sob a redoma celestial.

Tudo foi grandioso, realçando o atributo majestático da estrela maior. Multiartista, ela e todo o elenco falaram o idioma universal do belo, musicado, cantado, coreografado em que a abrangente estética transmitia, a um só tempo, o afeto, o sensual e o erótico. Um ritual libertário.

Sobrepairava às sensações da multidão, em êxtase, um espírito nobre sobre o instante vivido com humana intensidade: uma ruidosa explosão.

No extremo sul do Brasil, a água, preciosa joia da natureza, mansa, terna, fonte da vida, e alumbramentos, reverenciada no monumento poético de Guilherme Arantes: “Água que nasce na fonte serena do mundo […] Águas que banham aldeias […] E sempre voltam humildes pro fundo da terra […[Terra planeta água”, maltratada, acende explosão devastadora.

No Rio, a festa acabou. Os artistas voltaram, orgulhosos para seus camarins. Vida segue. Noutro pedaço do Brasil, o valoroso Rio Grande do Sul, rompe-se a prisão das comportas em dimensão diluviana.  A água, bem que poderia ser um pote até aqui de mágoa, mas não é. Apesar dos constantes maus tratos não se vinga, nem pune. Simplesmente, reage. E nela submergem sonhos e lembranças. Mas, o Brasil solidário, por inteiro, estende braços solidários.

Assim, o mais sensível elemento da natureza tem padecido como vítima do grave erro estratégico da humanidade quando elegeu o crescimento econômico, a qualquer preço, o ser supremo de um processo civilizatório. O deus do progresso incontido repousa sobre o mandamento único: crescei e multiplicai o crescimento porque os recursos naturais são infinitos.

Não o são. A água gemeu. Clamou pelo respeito e pelo sossego.  Proclamou sua índole pacífica e maternal. As águas não são “infindas” como descreveu Caminha. E tornou-se, ao lado da “abundante” natureza, assustadoramente escassa. Neste momento de aflição, não adianta, de dedo em riste, buscar culpados. Em princípio, todos são culpados e responsáveis, apesar das reiteradas advertências das vozes da ciência: o Planeta não suporta o modelo insustentável do progresso. E os desequilíbrios dos ecossistemas resultam em tragédias decorrentes da soma de irresponsabilidades dos poderosos ecocidas.

Diante do abismo apocalíptico, “as verdades inconvenientes”, a noção de sustentabilidade ou, até mesmo, de um modelo de “decrescimento”, devidamente pactuado, deixam de ser delírios de profetas alarmistas. Emergência climática não é, apenas, uma constatação científica. Ele é uma sensação real que queima a pele, antecipa cinzas fabricadas por novas e cruéis estações que nós, humanos, criamos e estamos sendo penalizados por isso.

Com o devido respeito à dualidade cartesiana e baconiana, nós não somos “senhores e possuidores” da natureza. Nós somos a própria natureza enlaçados por uma fraternidade que nos impõe um destino comum.

A imagem do sofrimento, dor, desespero, perda irreparável me leva a rogar por uma revolução de consciência que, em vez de preços e quantidades, assuma a bandeira da qualidade, dos valores, da moderação, da frugalidade.

E, ao lado do esforço de urgentes mudanças, deixar, humildemente, um ato de contrição aos nossos descendentes: somos péssimos inquilinos do Lar Planetário.

 

Gustavo Krause foi ministro da Fazenda 

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