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Macunaíma em NY: Mico na ONU e Covid de Queiroga (por Vitor Hugo)

A fala do “mito”, farsa completa aos olhos do mundo, parecia ser o desfecho reles reservado à comitiva brasileira e ao seu chefe

atualizado

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Marcelo Queiroga
1 de 1 Marcelo Queiroga - Foto: Reprodução

Ao rever cenas protagonizadas pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, à frente de sua comitiva, em Nova York, às vésperas da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, onde o chefe de estado brasileiro, por praxe, fez o discurso de abertura, esta semana, restou inevitável a comparação com a cena inicial de “Macunaíma”, aclamado filme de Joaquim Pedro de Andrade, com Grande Otelo no primoroso papel do “herói sem caráter”, baseado na obra prima homônima do escritor Mário de Andrade: o dono de um caminhão pau-de-arara estaciona na periferia de uma metrópole, cobra o dinheiro da passagem de cada um dos párias, viajantes ilegais, e ordena: “Sumam todos, rápido. Agora é cada um por si, e Deus contra”.

De pronto vêm imagens do atual dono do mando e sua comitiva – impedidos de entrar nos restaurantes, por falta de comprovante de vacinas contra Covid 19 – repartindo e comendo pedaços de pizza, com as mãos, no meio da rua, na mais cosmopolita capital do planeta. E do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, tal qual um boneco de teatro mamulengo, com o dedo médio em riste – (cotoco, no dizer do senador amazonense, Omar Aziz, na CPI da Covid) – em gesto obsceno e grotesco dirigido aos manifestantes que vaiavam a comitiva.

Difícil não associar este espetáculo – antes, durante e depois da abertura da reunião anual das Nações Unidas – a uma (re)encenação de Macunaíma, o livro e o filme, com os novos e surreais personagens dos trágicos e perversos dias que correm. Triste show de fanfarronices e mentiras do próprio mandatário em seu discurso, sobre a política desastrada (que ele tenta jogar nas costas de governadores e prefeitos); do meio ambiente de números falsos sobre queimadas, desmatamentos, saques e ações em terras indígenas; da economia degringolada e da vida severina da parte mais pobre e desprotegida da população.

A fala do “mito”, farsa completa aos olhos do mundo, parecia ser o desfecho reles reservado à comitiva brasileira e ao seu chefe, durante os dias que frequentou NY, na expressão do diário espanhol El País. Mas nada disso pareceu o bastante nesta viagem constrangedora de Bolsonaro e sua trupe. O incrível desfecho veio quase na hora do embarque de volta ao Brasil: o ministro Queiroga testou positivo para covid-19, e teve de ficar isolado no quarto do hotel em quarentena. E voltamos a Macunaíma, o livro, o filme e as semelhanças dos nossos governantes em Nova York, com figuras macunaímicas.

Neste caso me socorro da brilhante análise crítica de Noemi Jaffe, sobre o livro, de 1928, e o filme, de 1969. No primeiro caso, Jaffe assinala que Mário de Andrade, “ao trazer Macunaíma de volta ao Uraricoera, deixá-lo ser devorado por Vei, a Sol, e, finalmente ao transforma-lo numa constelação que só pode ser vista no hemisfério Norte, ainda dá margem a alguma especulação. Afinal, antes de virar estrela, o herói diz: “Não vim ao mundo para ser pedra”, num grito que, se aponta para a sua derrocada, também mantém sua potência”. No filme de Joaquim Pedro de Andrade, pontua Jaffe, na Folha, “ao contrário do livro, não resta essa dúvida. Apesar do ritmo de chanchada e das alusões ao tropicalismo, ali a antropofagia só tem sentido negativo: o mais forte engole o mais fraco, o moderno engole o arcaico, o útil engole o inútil, e Macunaíma fracassa”. Ponto. O resto a conferir.

Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail: vitors.h@uol.com.br

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