Macacos (por Mirian Guaraciaba)
O espetáculo de três horas de duração é absolutamente impactante, o melhor dos últimos tempos
atualizado
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Uma plateia de mais de mil pessoas estendeu a mão direita e prometeu: “Nunca mais vou atravessar a rua quando uma pessoa preta vier em minha direção. Nunca mais levantarei quando uma pessoa preta sentar ao meu lado num transporte público. Nunca mais … “, gestos simples, pedia Clayton Nascimento, ator, diretor, roteirista do monólogo Macacos. Dez anos em cartaz.
Teatro Riachuelo, no centro do Rio, capacidade para 1470 pessoas, estava quase lotado no fim da tarde de 16 de novembro. Última apresentação dessa temporada, Macacos começou pequeno, 15 minutos em 2016, apresentações em festivais, cresceu, viajou o Brasil e o mundo. Seu idealizador é seguramente um dos atores e diretores melhor preparados do País. Devorou dezenas de livros sobre teatro enquanto cursou a Escola de Artes Dramáticas da USP.
Clayton Nascimento queria mais. Fez mestrado, na USP. Dá aula de teatro na escola que o formou. Prepara elencos. Dirige especiais. Como o Falas Negras, da Tv Globo, idealizado por ele, de 20 de novembro, dia da consciência negra. Ele quer mais. Ganhou vários prêmios de melhor espetáculo, de melhor ator. Aos 33 anos, Clayton é o ator mais jovem a ter um Prêmio Shell, um dos mais tradicionais de artes dramáticas.
Macacos parte de episódios de racismo – estrutural, velado, escancarado – e leva à busca desesperada de respostas ao racismo que o preto sofre desde o nascimento. Clayton lembra o pai. Ele dizia: o preto nasce duas vezes, quando nasce e quando se descobre preto. Seu figurino no palco “é o simples da minha periferia”, diz ele. Descalço, bermuda de tactel e o peito nu.
O texto de Macacos impacta, emociona. Clayton é brilhante. Faz rir, faz chorar. Levou anos, mas tornou-se famoso. E incensado por nada menos que Fernanda Montenegro, Neusa Borges, Pitanga, Renata Sorrah. Aplaudido de pé. A autora Manuela Dias, sua amiga, rasga elogios.
Não há data anunciada para novas temporadas de Macacos. Impossível não ter. A última sessão, em 16 de novembro, tinha lista de espera. Macacos trata da urgência da vida negra no Brasil. São pensamentos em cascata surgindo em cenas da nossa história, de pessoas simples, ou de situações vividas por grandes artistas negros.
Elza Soares, Machado de Assis, a cantora americana Bessie Smith, que desafiou a sociedade com sua negritude nos anos 20, século passado. Até chegar aos nossos jovens negros presos e executados pela polícia. Ou o menino Eduardo, 9 anos, assassinado pela PM do Rio de Janeiro, na porta de casa. “Confundiram seu carrinho com um revólver”. Macacos tem que voltar aos palcos. Fique atento. Não perca.
AMADORISMO E TERROR
Não resta dúvida de que Bolsonaro e sua turma arquitetaram um golpe de estado. “Lula não sobe a rampa”, escreveram num dos numerosos documentos coletados pela Policia Federal, num inquérito de mais de 800 páginas. Matariam Alexandre de Moraes, Lula e Alckimin.
O que impressiona os eleitores brasileiros é o amadorismo do bando de militares e civis que pretendiam tomar o poder: produziram contra si provas inquestionáveis. Reuniões gravadas em vídeo, áudios nos celulares, carimbo de impressoras do Palácio do Planalto.
E a Bolsonaro, o que impressionou? O golpe do golpe. Doeu nele saber que tramaram derrubá-lo assim que assumissem o poder. Preso, vai amargar por anos a traição dos seus pares.