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Luz no fim do túnel (por Mary Zaidan)

Contribuições para um governo democrático e progressista desenvolvidas por craques do PT, PSDB e MDB

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Vinícius Santa Rosa/Metrópoles
fim de tarde com o Congresso Nacional no contraluz
1 de 1 fim de tarde com o Congresso Nacional no contraluz - Foto: Vinícius Santa Rosa/Metrópoles

Sob o estresse diário provocado pelo presidente Jair Bolsonaro, que para salvar a sua pele insiste na cruzada anti-cívica e anti-Brasil contra as urnas eletrônicas e a credibilidade do processo eleitoral, notícias boas são cada vez mais raras. Mas elas existem. Apareceram na semana passada expressas nas Contribuições para um governo democrático e progressista, desenvolvidas por um time suprapartidário, com craques do PT, PSDB e MDB. Além de trazer propostas inovadoras – e possíveis de serem colocadas em prática -, o documento é um alento em meio da emburrecedora polarização que interdita qualquer tentativa de debate sério e promissor.

Com 67 páginas, 17 delas apresentando eixos de ação – maior inclusão e redução das desigualdades sociais, maior crescimento, estado mais eficiente e democrático, sustentabilidade e equilíbrio macroeconômico – e 6 anexos com o beabá de como fazer as reformas sugeridas, as propostas redesenham o estado e a administração pública em múltiplas vertentes.

Estabelecem um colchão social sólido, com a combinação de renda mínima, suporte à primeira infância e uma inédita poupança seguro família, tendo como lastro a possibilidade de extrapolar o teto de gastos em até 1% do PIB – negociado e temporário, com vigência até 2026. Criam um modelo de inclusão real dos brasileiros a partir da indução da formalização do trabalho, assegurando benefícios sociais aos que hoje trabalham por conta própria ou vivem de bicos, com ampliação do universo de contribuintes, redução de alíquotas para contratantes e trabalhadores e fim de regalias em aposentadorias.

Mais: tratam a democracia para além da necessária defesa institucional, apontando a urgência de respostas na prestação de serviços ao cidadão, sob pena de se perpetuar a penúria dos mais pobres e as falsas saídas populistas. Para tal, ultrapassam a dicotomia simplista do estado mínimo ou máximo. Propõem o estado eficaz, indicando fórmulas de aferição de resultados dos serviços prestados ao público, reestruturação de carreiras, integração e participação da iniciativa privada e do terceiro setor. Dedicam-se ainda à pesquisa científica e inovação, além da sustentabilidade, áreas para as quais reservam 40% do 1% anual do extra-teto previsto.

A democracia fala alto também na proposta simples e revolucionária de combater a “inflação constitucional”, remetendo para a legislação ordinária ou complementar tudo aquilo que foi constitucionalizado a bel prazer de um determinado governante. Com isso, a Carta fica mais enxuta e robusta. Evitam-se absurdos como o da PEC de bondades eleitorais aprovada pelo Congresso, que feriu a Constituição com temas de interesse exclusivo do presidente de plantão e seus asseclas.

“É preciso desconstitucionalizar para governar”, apontam os autores do documento. “Quando cada grupo político se engaja em colocar na Constituição sua visão, todos se anulam e o país passa a correr o risco de se tornar ingovernável. Hoje, o Brasil corre sério risco quanto a isso”, afirmam.

Muitas das ideias expostas e tantas outras certamente estão nos pouco ou quase nada conhecidos programas de governo dos candidatos à Presidência da República. Mas o documento entregue a Luiz Inácio Lula da Silva, Ciro Gomes, Simone Tebet e Luiz Felipe d’Avila materializa algo que candidato algum conseguiu: unir os que se norteiam pela democracia e execram o retrocesso civilizatório. Melhor: com sugestões viáveis, aplicáveis, factíveis.

As propostas foram desenvolvidas pelos economistas Pérsio Arida, um dos pais do Real, que presidiu o BNDES no governo Itamar Franco e o Banco Central no de Fernando Henrique Cardoso, e Bernard Appy, secretário-executivo do Ministério da Fazenda no governo Lula e autor do projeto de reforma tributária aprovado no Senado e descartado por Bolsonaro. Pelos professores Carlos Ari Sundfeld, ex-procurador do Estado de São Paulo e um dos mentores das agências reguladoras, como a Anatel, e da lei de parcerias público-privadas (PPP), e Francisco Gaetani, doutor em administração pública que ocupou a Secretaria Executiva do Ministério do Planejamento de Dilma Rousseff. Por Marcelo Medeiros, da PUC-Rio, expert em métodos e modelos matemáticos, econométricos e estatísticos, e pelo cientista político Sérgio Fausto, superintendente do Instituto FHC.

Mesmo que sejam adotadas apenas parcialmente ou até mesmo descartadas – o que seria um disparate -, são ideias de especialistas de matizes políticas diversas. Que, juntos, construíram um interruptor para acender a luz no fim do túnel. E isso, em tempos tão sombrios, já é uma vitória.

 

Mary Zaidan é jornalista

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