Lula na China, uma viagem sem destino (por Roberto Brant)
O principal problema do país é o baixo crescimento, que está se tornando um traço permanente da economia brasileira
atualizado
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Depois de quase três meses da posse ninguém sabe exatamente para onde vai nos levar o Governo Lula. Afora algumas iniciativas simbólicas no caminho certo, principalmente no campo da cultura e dos valores humanos, não há qualquer indício de que metas o Governo pretende alcançar no campo econômico e no campo social, salvo algumas generalidades sem a devida consistência.
Em praticamente nenhuma área é possível detectar sinais de que grandes planos estão em preparação e que em breve o país será surpreendido com bons projetos e iniciativas destinadas a enfrentar com realismo e efetividade os infinitos problemas do país. É preciso ressalvar, por dever de justiça, que o Ministério da Fazenda não merece ser nivelado ao restante do governo, pois parece que está tratando de construir um arcabouço fiscal que concilie a necessidade de investimentos públicos e a solvência de longo prazo da dívida. Se vai chegar a um bom termo ainda é difícil saber pois terá que resistir à leviandade do seu partido e à impaciência do próprio Presidente.
O principal problema do país é o baixo crescimento, que está se tornando um traço permanente da economia brasileira. Esta situação é incompreensível dado que temos abundância de recursos reais e não sofremos nenhuma limitação externa, como aconteceu durante todo o nosso passado. Nenhum país do mundo, talvez com a exceção dos Estados Unidos, desenvolveu-se sem a liderança do Estado. A única resposta razoável ao enigma da nossa pobreza é o mal funcionamento da política. Por isto parece claro que precisaríamos de liderança política de alta qualidade para inspirar os consensos necessários e guiar o processo.
Neste sentido a discussão sobre os juros da dívida e a necessidade de um espaço fiscal para investimentos que elevem a produtividade da economia tem toda a razão de ser neste momento. No entanto, a forma desastrada e contraproducente como vem sendo tratada a questão pelo Presidente Lula e pelo seu partido é incompreensível. Esta é uma questão de fundo e não um motivo de bate-boca. O método escolhido apenas gera instabilidade nos mercados e não resolve nada.
Os juros no Brasil estão fora do lugar, não só agora, mas há muito tempo. Utilizando dados oficiais do FMI podemos verificar de que maneira nesta matéria o Brasil é um ponto fora da curva. Entre 2012 e 2019 o déficit público nos países ricos foi em média 3,2% ao ano, do qual 50% resultou de excesso de gastos em relação à receita e 50% devido aos juros da dívida pública. Nos países emergentes como o nosso, o déficit médio foi de 3,3%, sendo 55% por excesso de gastos e 45% devido aos juros. No Brasil as coisas foram totalmente diferentes: nosso déficit médio foi de 6,7%, resultado de um déficit primário de 0,7% ao ano e 5,7% dos juros da dívida. Não chegamos onde chegamos por excesso de gastos, mas por excesso de juros.
Tanto nos Estados Unidos quanto na União Europeia a autoridade monetária tem autonomia, mas as políticas fiscal e monetária dialogam entre si, pois do contrário teríamos duas forças em sentido contrário paralisando a economia e os negócios, o que seria um absurdo. Teremos que fazer o mesmo aqui, pois nosso desequilíbrio fiscal decorre fundamentalmente do custo da dívida e não será resolvido somente com redução de gastos, até mesmo porque os únicos gastos que acabamos cortando são os investimentos públicos, que estão próximos de zero.
Este diálogo não é conversa de botequim ou discurso eleitoral. É um diálogo com os setores da sociedade numa busca ordenada de pontos em comum visando construir credibilidade. Um Governo no qual se confia e que apresenta uma proposta de trajetória de longo prazo viável, pode começar aumentando a dívida para criar crescimento e na sequência, com mais renda e recursos fiscais, reverter a tendência.
O Governo Lula visivelmente não tem maioria na sociedade e não vai controlar o Congresso automaticamente. Sua única saída não vai ser o grito, mas sim a entrega do único resultado que as pessoas desejam: oportunidade e prosperidade. Para isto é preciso juízo.
Roberto Brant, ex-ministro da Previdência Social do governo Fernando Henrique Cardoso