Longe da foto com Putin (por Marcos Magalhães)
Lula precisará ter todo o equilíbrio político necessário para manter sua posição de destaque no Brics
atualizado
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Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta nesta terça-feira nova ressonância magnética para avaliar o traumatismo craniano sofrido no fim de semana, o seu colega russo Vladimir Putin emite ao mundo um sinal de força ao reunir mais de 20 líderes estrangeiros na abertura da cúpula do Brics, em Kazan.
A queda sofrida no banheiro do Palácio da Alvorada, quando bateu a cabeça, impediu a viagem de Lula à Rússia. Ele poderá participar do encontro por videoconferência. Mas, ainda que por motivos médicos, o presidente brasileiro não estará na foto com Putin.
Ao lado do presidente russo, nas imagens que correrão o mundo, estarão líderes dos primeiros integrantes do Brics – Índia, China e, mais tarde, África do Sul. Também estarão representantes de novos membros – Irã, Arábia Saudita, Egito, Etiópia e Emirados Árabes.
Putin também deverá receber líderes de nações que se candidatam a se tornarem associadas do Brics. A lista é grande e inclui Cuba, Venezuela e Nicarágua. Na foto oficial do encontro, pelo lado brasileiro, estará apenas o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira.
O escorregão no banheiro retirou Lula da foto oficial. O que, de certa forma, o leva a ganhar tempo no delicado jogo diplomático que envolve não apenas a guerra na Ucrânia como a formatação de uma nova ordem mundial, que Moscou e Beijing gostam de chamar de multilateral.
O governo brasileiro é frequentemente visto por países ocidentais como um aliado de Putin na guerra da Ucrânia. Embora oficialmente condene a invasão do país, Lula também tem demonstrado pouca simpatia pelas posições do presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky.
Além disso, Brasília também tem buscado, ao lado de Beijing, uma solução negociada para o conflito iniciado com a invasão da Ucrânia pelas tropas de Putin. Iniciativa vista com desconfiança pelo Ocidente e com simpatia pelo líder russo.
Na cúpula de Kazan, um dos temas em pauta será a busca da redução da dependência do dólar nas relações entre os integrantes do grupo. Algo como o embrião de uma ordem global menos dominada pelas regras criadas pelo acordo de Bretton Woods, há 80 anos.
Segundo a revista inglesa The Economist, porta-voz global do liberalismo, a reunião de cúpula do Brics dará a Putin a chance de levar adiante sua “ideia de construir um novo sistema global de pagamentos para atacar um legado de Bretton Woods – a dominação americana das finanças globais – e, ele espera, proteger a Rússia de sanções”.
Se o movimento é visto na Europa e nos Estados Unidos como nova ameaça ao Ocidente, a expansão do Brics não fica atrás. O ingresso de países como o Irã e a possibilidade de o grupo ter como associados Cuba, Venezuela e Nicarágua reforçam a imagem do Brics como uma frente antiocidental.
Ou seja, o que no início poderia ser definido como um colegiado de países emergentes em busca de uma ordem mundial mais justa e representativa, que leve em conta os interesses de grandes populações do planeta, cada vez mais assume os contornos de uma frente contra o Ocidente.
Isso é bom para o Brasil? Boa parte da esquerda petista vê os novos movimentos do Brics como justos e necessários para conter o poder do Ocidente e ampliar a participação de nações emergentes nas grandes decisões globais.
Os críticos da ampliação do grupo, por outro lado, ainda estão buscando assimilar a recente ampliação do Brics e veem com muita desconfiança o ingresso, ainda que como membros associados, de países com nítida postura antidemocrática e antiocidental.
Ou seja, se de um lado a participação desde o início no grupo deu ao Brasil um peso maior no cenário internacional, de outro a transformação do grupo ameaça deixar o país na incômoda situação de se alinhar com inimigos declarados do Ocidente.
Lula não estará na foto oficial do grupo porque perdeu o equilíbrio no banheiro e bateu a cabeça. Mas ele precisará ter todo o equilíbrio político necessário para manter sua posição de destaque no Brics sem arranhar as boas relações do Brasil com aliados tradicionais na Europa e na América do Norte.