Lições de estratégia (por Marcos Magalhães)
De um lado, o primeiro debate presidencial do segundo turno e, de outro, o que andam dizendo os líderes das duas maiores potências mundiais
atualizado
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O velho Nelson Rodrigues já nos avisou que subdesenvolvimento não se improvisa, mas que é “obra de séculos”. A frase ganha contornos de atualidade quando se analisa, de um lado, o primeiro debate presidencial do segundo turno e, de outro, o que andam dizendo os líderes das duas maiores potências mundiais.
O primeiro debate do segundo turno das eleições presidenciais foi parar nas manchetes de algumas das principais publicações do mundo. No “duelo de titãs” descrito por correspondentes a uma plateia global desfilaram bate-bocas sobre temas como drogas, aborto, corrupção e combate à pandemia.
Alguma palavra sobre o futuro do Brasil? Apenas umas poucas ensaiadas por Luís Inácio Lula da Silva, que prometeu apoiar a agricultura de baixo carbono e a nascente indústria de aproveitamento, com base em pesquisa científica, dos recursos da biodiversidade nacional.
Jair Bolsonaro preferiu renovar seus compromissos com a chamada pauta de costumes. E novas propostas para o país, nas contas do jornal Estado de S. Paulo, ocuparam apenas 5% do tempo do debate.
Para quem aguardava alguma luz a guiar o país na saída da múltipla crise em que se encontra, restou apenas – e mais uma vez – frustração.
Global
Nos quatro dias que antecederam o encontro de Lula e Bolsonaro, dois eventos de caráter global emitiram sinais de como será o cenário internacional durante o mandato de quem for eleito para presidir o Brasil a partir de janeiro.
Na quarta-feira (12) o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, divulgou documento em que delineia a nova Estratégia de Segurança Nacional de seu país. O documento indica a China como o único competidor capaz de desafiar os EUA ao expandir suas capacidades tecnológicas, militares e diplomáticas.
“O mundo está agora em um ponto de inflexão”, definiu Biden. “Essa década será decisiva na definição dos termos de nossa concorrência com a China”.
No início do mês de outubro, o governo norte-americano já havia anunciado medidas que demonstravam as dimensões econômica, tecnológica e militar da concorrência entre os dois países. Se a Guerra Fria já acabou, como disse a Casa Branca, um novo tipo de competição já está em pleno andamento.
No dia 7 foram impostas mais restrições ao acesso pela China a insumos que possam ajudar o país asiático a desenvolver novos semicondutores e supercomputadores. Especialmente semicondutores, que demonstraram durante a pandemia a sua imensa importância na economia mundial.
A se levar em conta o que escreveu na revista Foreign Policy o professor Christopher Marquis, autor do livro “Mao e os mercados”, talvez tenha sido um passo exagerado. Para ele, o presidente Xi Jinping corre o risco de repetir erros cometidos por Mao Zedong durante o período do Grande Salto para a Frente.
“O foco de Xi em semicondutores parece uma versão dos anos 2020 para o foco de Mao nos anos 1950 para a produção de aço”, comparou Marquis. “Ainda que não leve a uma onda de fome, é uma política que tende a falhar, por ser guiada por uma lógica de cima para baixo e por falta de conexão com a realidade”.
Comunistas
O ceticismo do professor contrasta com a atmosfera quase ufanista que marcou a abertura no domingo (16) do 20º Congresso do Partido Comunista Chinês, em Beijing.
Quatro dias depois do anúncio da nova estratégia externa dos Estados Unidos, o presidente Xi Jinping disse que o partido vai guiar a China a uma “glória incomparável” até 2049, quando se completam os 100 anos da República Popular.
Até lá, prometeu Xi, às vésperas de obter novo mandato de cinco anos, a China se tornará uma potência econômica, militar, tecnológica e ambiental.
O caminho definido pelo partido para tornar a China um “grande país socialista moderno” tem prazos e metas definidos. O tempo dirá se os comunistas chineses terão sucesso, mas entre as metas estabelecidas para 2035 encontra-se justamente a de tornar a China uma das líderes mundiais em inovação tecnológica.
“O poder econômico, científico e tecnológico e o poderio nacional crescerão significativamente”, diz documento divulgado pelo Partido Comunista Chinês na abertura de seu vigésimo congresso. “E o Produto Interno Bruto per capita atingirá o nível dos países medianamente desenvolvidos”.
Xi pediu que os chineses se mantenham unidos “como um pedaço de aço” sob a liderança do Partido Comunista na busca do desenvolvimento do país. Alertou, ainda, que o caminho não será fácil e que os chineses poderão ter de enfrentar “fortes ventos, águas agitadas e mesmo tempestades perigosas”.
Do outro lado do mundo, logo após adotar medidas para conter a ascensão da China e dificultar seu acesso a tecnologias sensíveis, Joe Biden afirmou que, no novo cenário de competição entre as potências, “nenhuma nação está em melhor posição para ser bem-sucedida” do que os Estados Unidos.
Estratégia
Ou seja, de um lado Washington planeja fortalecer suas capacidades tecnológicas, militares e econômicas para vencer uma competição de longo prazo com a China. De outro, Beijing desenha os próximos passos de um longo e provavelmente acidentado caminho em direção a um novo estágio de desenvolvimento.
Este será o cenário global durante o período do próximo mandato presidencial no Brasil. Um cenário que vai exigir muita habilidade de sua política externa. Mas que também oferece lições de estratégia a um país cuja pauta política permanece tão estagnada quanto sua economia.