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Lições de estratégia (por Marcos Magalhães)

De um lado, o primeiro debate presidencial do segundo turno e, de outro, o que andam dizendo os líderes das duas maiores potências mundiais

atualizado

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Fábio Vieira/ Metrópoles
debate band eleições 2022 Luiz Inácio Lula da Silva e Jair bolsonaro
1 de 1 debate band eleições 2022 Luiz Inácio Lula da Silva e Jair bolsonaro - Foto: Fábio Vieira/ Metrópoles

O velho Nelson Rodrigues já nos avisou que subdesenvolvimento não se improvisa, mas que é “obra de séculos”. A frase ganha contornos de atualidade quando se analisa, de um lado, o primeiro debate presidencial do segundo turno e, de outro, o que andam dizendo os líderes das duas maiores potências mundiais.

O primeiro debate do segundo turno das eleições presidenciais foi parar nas manchetes de algumas das principais publicações do mundo. No “duelo de titãs” descrito por correspondentes a uma plateia global desfilaram bate-bocas sobre temas como drogas, aborto, corrupção e combate à pandemia.

Alguma palavra sobre o futuro do Brasil? Apenas umas poucas ensaiadas por Luís Inácio Lula da Silva, que prometeu apoiar a agricultura de baixo carbono e a nascente indústria de aproveitamento, com base em pesquisa científica, dos recursos da biodiversidade nacional.

Jair Bolsonaro preferiu renovar seus compromissos com a chamada pauta de costumes. E novas propostas para o país, nas contas do jornal Estado de S. Paulo, ocuparam apenas 5% do tempo do debate.

Para quem aguardava alguma luz a guiar o país na saída da múltipla crise em que se encontra, restou apenas – e mais uma vez – frustração.

Global

Nos quatro dias que antecederam o encontro de Lula e Bolsonaro, dois eventos de caráter global emitiram sinais de como será o cenário internacional durante o mandato de quem for eleito para presidir o Brasil a partir de janeiro.

Na quarta-feira (12) o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, divulgou documento em que delineia a nova Estratégia de Segurança Nacional de seu país. O documento indica a China como o único competidor capaz de desafiar os EUA ao expandir suas capacidades tecnológicas, militares e diplomáticas.

“O mundo está agora em um ponto de inflexão”, definiu Biden. “Essa década será decisiva na definição dos termos de nossa concorrência com a China”.

No início do mês de outubro, o governo norte-americano já havia anunciado medidas que demonstravam as dimensões econômica, tecnológica e militar da concorrência entre os dois países. Se a Guerra Fria já acabou, como disse a Casa Branca, um novo tipo de competição já está em pleno andamento.

No dia 7 foram impostas mais restrições ao acesso pela China a insumos que possam ajudar o país asiático a desenvolver novos semicondutores e supercomputadores. Especialmente semicondutores, que demonstraram durante a pandemia a sua imensa importância na economia mundial.

A se levar em conta o que escreveu na revista Foreign Policy o professor Christopher Marquis, autor do livro “Mao e os mercados”, talvez tenha sido um passo exagerado. Para ele, o presidente Xi Jinping corre o risco de repetir erros cometidos por Mao Zedong durante o período do Grande Salto para a Frente.

“O foco de Xi em semicondutores parece uma versão dos anos 2020 para o foco de Mao nos anos 1950 para a produção de aço”, comparou Marquis. “Ainda que não leve a uma onda de fome, é uma política que tende a falhar, por ser guiada por uma lógica de cima para baixo e por falta de conexão com a realidade”.

Comunistas

O ceticismo do professor contrasta com a atmosfera quase ufanista que marcou a abertura no domingo (16) do 20º Congresso do Partido Comunista Chinês, em Beijing.

Quatro dias depois do anúncio da nova estratégia externa dos Estados Unidos, o presidente Xi Jinping disse que o partido vai guiar a China a uma “glória incomparável” até 2049, quando se completam os 100 anos da República Popular.

Até lá, prometeu Xi, às vésperas de obter novo mandato de cinco anos, a China se tornará uma potência econômica, militar, tecnológica e ambiental.

O caminho definido pelo partido para tornar a China um “grande país socialista moderno” tem prazos e metas definidos. O tempo dirá se os comunistas chineses terão sucesso, mas entre as metas estabelecidas para 2035 encontra-se justamente a de tornar a China uma das líderes mundiais em inovação tecnológica.

“O poder econômico, científico e tecnológico e o poderio nacional crescerão significativamente”, diz documento divulgado pelo Partido Comunista Chinês na abertura de seu vigésimo congresso. “E o Produto Interno Bruto per capita atingirá o nível dos países medianamente desenvolvidos”.

Xi pediu que os chineses se mantenham unidos “como um pedaço de aço” sob a liderança do Partido Comunista na busca do desenvolvimento do país. Alertou, ainda, que o caminho não será fácil e que os chineses poderão ter de enfrentar “fortes ventos, águas agitadas e mesmo tempestades perigosas”.

Do outro lado do mundo, logo após adotar medidas para conter a ascensão da China e dificultar seu acesso a tecnologias sensíveis, Joe Biden afirmou que, no novo cenário de competição entre as potências, “nenhuma nação está em melhor posição para ser bem-sucedida” do que os Estados Unidos.

Estratégia

Ou seja, de um lado Washington planeja fortalecer suas capacidades tecnológicas, militares e econômicas para vencer uma competição de longo prazo com a China. De outro, Beijing desenha os próximos passos de um longo e provavelmente acidentado caminho em direção a um novo estágio de desenvolvimento.

Este será o cenário global durante o período do próximo mandato presidencial no Brasil. Um cenário que vai exigir muita habilidade de sua política externa. Mas que também oferece lições de estratégia a um país cuja pauta política permanece tão estagnada quanto sua economia.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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