metropoles.com

Juros invisíveis (por Cristovam Buarque)

Se o Brasil tivesse investido na educação de sua população, nossa produtividade, em 53º lugar, estaria entre as maiores do mundo

atualizado

Compartilhar notícia

Google News - Metrópoles
Reprodução
Professora
1 de 1 Professora - Foto: Reprodução

É natural que o pagador de empréstimo se sinta revoltado ao ver seu dinheiro abocanhado pelo emprestador, sobretudo quando obrigado a pagar juros considerados crime de agiotagem. Estranho é achar natural, às vezes nem perceber, os outros juros que paga todos os dias por empréstimos que tomou no passado, sem perceber. A população não percebe, por exemplo, o juro paga por ter maltratado a natureza antes. As inundações nas cidades é o juro pago hoje por ter ocupado com asfalto as áreas que antes permitiam drenagem das águas. As catástrofes das mudanças climáticas são o juros que a Terra cobra pelo uso dos recursos naturais no processo produtivo industrial, sobretudo a partir do século XX. Reclamamos dos juros por empréstimos, mas aceitamos outros muito maiores, cobrados por equívocos e omissões: deslizamentos de encostas é o juro pelo descuido com a ocupação do solo; a maior parte das doenças urbanas decorrem da omissão sanitária; parte das mortes pelo covid foi o juro pago pela recusa de vacina.

Não se percebe a tragédia da educação de base como juros invisíveis pelo descaso no passado. Até mesmo a universidade, que recebeu fortes investimentos entre 1992 e 2018, hoje paga elevados juros educacionais por causa da má educação de base recebida no passado por seus alunos atuais. Se o Brasil tivesse investido na educação de sua população, nossa produtividade, em 53º lugar, estaria entre as maiores do mundo e nossa renda per capita permitiria maior poupança e consumo sem necessidade de crédito: os juros visíveis seriam menores. Quarenta anos atrás, a renda per capita da Coreia do Sul era metade do Brasil, hoje a nossa é metade da deles. Eles não foram omissos e não pagam o imenso juro que pagamos por nosso déficit educacional. Não apenas, mas também por isto, há 20 anos sua taxa de juros oscila ao redor de 3.5% ao ano. Bem orientada, a educação ajudaria a criar uma mentalidade capaz de administrar o consumo dentro dos limites da renda e a poupar parte dela no presente para construir no futuro.

O juro invisível da falta de educação aumenta o juro financeiro, porque, além da baixa produtividade, propicia a mente “voraz para consumo e anoréxica para a poupança”, ponto de partida para a agiotagem, legal ou ilegal.

Há um juro visível que mobiliza toda a sociedade, mas há juros invisíveis e desprezados por todos. Destes, o mais importante e esquecido é o juro educacional, a incineração de cérebros aos quais foi negado educação. Se no passado tivéssemos cuidado da educação de base, com máxima qualidade para todos, o Brasil entenderia a triste dinâmica dos juros, visíveis e invisíveis, e provavelmente não estaria pagando os altos juros visíveis e invisíveis que pagamos aos bancos, aos morros, aos doentes, às vítimas das inundações, aos analfabetos e desempregados por falta de escolaridade.

Mas, sem educação, é difícil ver o invisível e aceitar raciocínios que parecem confusos.

 

Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador 

Quais assuntos você deseja receber?

Ícone de sino para notificações

Parece que seu browser não está permitindo notificações. Siga os passos a baixo para habilitá-las:

1.

Ícone de ajustes do navegador

Mais opções no Google Chrome

2.

Ícone de configurações

Configurações

3.

Configurações do site

4.

Ícone de sino para notificações

Notificações

5.

Ícone de alternância ligado para notificações

Os sites podem pedir para enviar notificações

metropoles.comBlog do Noblat

Você quer ficar por dentro da coluna Blog do Noblat e receber notificações em tempo real?