Inovação digital e economia verde com Lula (por Marcos Magalhães)
As apostas do presidente na transição digital e na economia verde parecem cair bem nesse novo cenário global
atualizado
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Enquanto o mercado testa o novo governo, lendo sinais perigosos sobre os rumos imediatos dos gastos públicos, eloquentes acenos contidos no discurso de posse do presidente Luís Inácio Lula da Silva permanecem fora do radar de quem compra e vende moedas e ações.
Nesses primeiros dias de 2023, as atenções estarão voltadas ao desprezo de Lula pelo teto de gastos e às promessas de uma nova âncora fiscal, prometida logo na manhã de segunda-feira pelo novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
A queda na Bolsa e a alta do dólar, no primeiro dia de uma nova gestão, indicam que uma nuvem de desconfiança dos operadores econômicos acompanhará os primeiros passos de um governo que anunciou desde logo sua intenção de combater a pobreza e a desigualdade.
Mas é importante estender o olhar para além dos primeiros seis meses da nova administração, ao longo dos quais deverá ser apresentado ao país um conjunto de regras desenhadas para manter uma sensata gestão das contas públicas.
Se o novo presidente pretende promover uma nova onda de inclusão social, será necessário fazer mais do que colocar os pobres no Orçamento e os ricos no Imposto de Renda, como tem prometido. Será preciso estimular a criação de empregos para toda uma nova geração de trabalhadores.
Como fazer isso? Aqui entram os sinais contidos nas palavras de Lula. Alguns parecem promessas recicladas de seus primeiros mandatos. Outros indicam que ele pode estar atento a novas possibilidades trazidas pela digitalização e pela transição climática.
Entre os ecos de suas gestões anteriores estão promessas como as de resgatar o papel de bancos públicos e empresas estatais no desenvolvimento do país. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Petrobras, prometeu o presidente, “terão papel fundamental neste novo ciclo”.
Ainda inspirado em seus mandatos iniciais, ele anunciou a retomada do Minha Casa, Minha Vida e a criação de um novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), “para gerar empregos na velocidade que o Brasil requer”. Pode dar certo. Mas soa como repetição de antigas ideias.
Da mesma forma como a prometida substituição de importações. Não faz sentido, segundo o presidente, importar combustíveis, fertilizantes, plataformas de petróleo, microprocessadores, aeronaves e satélites. Podemos produzir tudo por aqui mesmo? Para ele, parece que sim.
A boa notícia é que essa reedição de iniciativas já testadas – e nem sempre bem-sucedidas – vem acompanhada de novas apostas. Uma delas é na indústria do conhecimento.
Caberá ao Estado, anunciou o presidente, “articular a transição digital e trazer a indústria brasileira para o século 21”. Por meio de uma política industrial que apoie a inovação, estimule a cooperação público-privada e fortaleça a ciência e a tecnologia.
A proposta mais ousada contida no discurso do presidente, porém, está no estímulo à chamada economia verde. Algo que, pode, ao mesmo tempo, fortalecer a posição do Brasil na delicada área do meio ambiente e criar empregos onde até hoje se geram queimadas, desmatamento e gás carbônico.
“Nenhum outro país tem as condições do Brasil para se tornar uma grande potência ambiental”, disse Lula, ao recordar o potencial da bioeconomia e dos empreendimentos ligados à chamada sociobioversidade.
“Vamos iniciar a transição energética e ecológica para uma agropecuária e uma mineração sustentáveis, uma agricultura familiar mais forte e uma indústria mais verde”, prometeu.
Tudo isso acompanhado da meta de desmatamento zero na Amazônia e da emissão zero de gases do efeito estufa na matriz elétrica, além do estímulo ao reaproveitamento de pastagens degradadas, para evitar novos desmatamentos.
Ou seja, a promessa de uma nova postura ambiental, que tanto agrada à comunidade internacional, estará acompanhada de uma nova lógica econômica que parece se incorporar – como sinal dos tempos ou das recentes alianças políticas – a um conjunto já testado de ideias.
O tempo vai dizer se a aposta vai trazer os resultados esperados. Mas é instigante perceber que o panorama global deste início da terceira década do século 21 tenha contagiado o presidente no início de seu terceiro mandato, vinte anos depois do primeiro.
O cenário mundial de hoje parece menos promissor do que o daquele de 2003. Os preços das commodities deixaram a estratosfera. A China não parece capaz de repetir o mesmo estímulo a países exportadores de produtos agrícolas e minerais.
Por outro lado, a pandemia desorganizou cadeias produtivas. E o mundo enfrenta um desafio ambiental sem precedentes. A mudança climática veio para ficar.
Ao mesmo tempo, importantes atores econômicos, como os Estados Unidos e a União Europeia, competem no lançamento de campanhas para estimular a produção de microchips e a descarbonização de suas economias.
As apostas de Lula na transição digital e na economia verde parecem cair bem nesse novo cenário global. Mas não se adaptam ao ritmo dos mercados. Elas precisam de tempo para florescer.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.