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Nos últimos dois anos, o Banco Central sobre a presidência de Roberto Campos Neto esteve sob fogo cerrado de Lula. Neste apagar das luzes de 2024, o presidente voltou novamente suas baterias contra a elevação da taxa de juros pelo Comitê de Política Monetária (Copom).
Para o presidente da República, que não vê os erros na condução da economia, tudo tem dado certo no seu governo, menos a taxa de juros. E prometeu ”dar um jeito nisso”.
Por isso entenda-se a troca de guarda no comando do Banco Central, com a posse de seu novo dirigente, Gabriel Galípolo. Para Lula, a alta da taxa de juros não é uma decorrência da deterioração das expectativas econômicas e da crise de credibilidade quanto ao pacote de ajuste fiscal do seu governo para fazer frente à expansão da dívida pública.
Cinicamente vende a ideia de que houve, na gestão de Roberto Campos Neto, um boicote explícito ao governo, com intenção de desgastá-lo para inviabilizar sua reeleição. Em sua ótica, a alta de juros não se deve à falta de confiança na sua capacidade de perseguir bons fundamentos na economia que evitem o risco potencial da aceleração da inflação, mas seria produto da combinação da voracidade de “especuladores”, com uma política deliberada para impedir o sucesso de seu terceiro mandato. Na visão do presidente o Banco Central e o mercado se comportaram como entes políticos para desgastá-lo.
Segundo Lula, a inflação está sob controle, o que é uma meia verdade. Ela fechou em 2024 acima do teto da meta e tende a acelerar seu ritmo porque o governo teima em subestimar a crise fiscal. Esse é o principal fator para a alta do dólar, fenômeno que trará o aumento dos preços para as gôndolas dos supermercados.
Para evitar esse risco, a última reunião do Copom decidiu, por unanimidade – inclusive com o voto de Gabriel Galípolo-, aumentar em 1 ponto a taxa Selic e promover o mesmo aumento nas próximas duas reuniões do órgão. Por descontrole do governo nas suas contas públicas, o remédio será extremamente amargo. Em março os juros básicos devem chegar a 14,5%.
O presidente, contudo, prefere enxergar a realidade sob a ótica da teoria da conspiração. Esse mesmo comportamento foi adotado pela Direção Nacional do Partido dos Trabalhadores. Segundo a nota, aprovada pela direção partidária, “o cenário econômico só não é mais promissor devido a sabotagem do Banco Central de Roberto Campos Neto, com viés político-partidário que inventa falsos pretextos para o BC elevar juros.”
Essa visão também é compartilhada por expoentes do PT, como José Dirceu. Segundo ele, o mercado atua como uma entidade política, “com o objetivo de antecipar 2026 e evitar a reeleição de Lula”. Esse mesmo ponto de vista é defendido pelo economista Luiz Gonzaga Beluzzo, espécie de consultor do presidente para questões econômicas. Quanto mais o dólar dispara, mais se enxerga conspirações onde elas inexistem.
Tudo isso alimenta especulações sobre um eventual cavalo e pau na política monetária, na gestão de Gabriel Galipolo. Desde já, o novo presidente do BC se encontra sob pressão por parte de expoentes do governo e do PT, para alterar a política de elevação de juros, apesar de inexistir condições para tal. O primeiro a pressioná-lo é o próprio Lula, quando diz que dará “um jeito nisso”. A presidente do PT, Gleisi Hoffman foi mais além ao defender “uma nova política monetária”, com instrumentos “que não se curvem às chantagens e ao oportunismo financista”.
A esquerda do PT no Congresso já preconiza abertamente que Galípolo inicie o seu mandato alterando a decisão do Banco Central de aumentar em 1 ponto os juros básicos, em cada uma das duas próximas reuniões. Concretamente, pressionam para esse aumento ser de 0,5% ou, no máximo, 0,75%. Assim, o novo presidente sinalizaria a adoção da “nova matriz de política monetária”, como é desejo de Gleisi
Se adotada, ela seria irmã siamesa da “nova matriz econômica” dos tempos de Dilma Rousseff, quando a taxa de juros caia de maneira artificial, na gestão do então presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. Outra pressão já manifestada pelo próximo líder do PT na Câmara de Deputados, Lindbergh Farias, é a de o Banco Central intervir de forma mais constante no câmbio, com a venda de dólares. A intervenção deixaria de ser pontual, comprometendo, portanto, um dos fundamentos da política econômica; o câmbio flutuante.
A combinação de crédito barato com a expansão dos gastos públicos foi o núcleo central da era Dilma-Tombini-Guido Mantega. Sabemos em que isso deu. Pode acontecer novamente?
Pode, mas há algumas diferenças importantes em relação aos tempos de Dilma. Hoje o Banco Central tem autonomia, com seu presidente tendo mandato de quatro anos. O presidente da República não pode demiti-lo, se ele não seguir suas diretrizes. Ademais, o ministro da Fazenda não é Guido Mantega. Haddad tem sido o polo de bom senso no interior do governo, em busca do equilíbrio fiscal. Se o mais recente pacote de ajustes foi tímido, não foi culpa de Haddad, mas de Lula e do PT que resistiram tomar medidas mais duras, embora elas sejam necessárias e até inevitáveis mais à frente.
Também nada autoriza a conclusão de que Gabriel Galípolo, à frente do Banco Central, terá um comportamento pusilânime ao presidente da República, como foi o de Alexandre Tombini. A rigor, Tombini foi um presidente fraco, sem luz própria. A única maneira de se manter no cargo era fazer tudo que Guido e Dilma mandavam. Essa não é a realidade de Galípolo. Até agora, ele e os outros diretores do BC indicados por Lula tiveram um comportamento republicano, observando o papel do Banco Central de defender a moeda brasileira e o poder aquisitivo dos brasileiros. Por isso mesmo, as decisões recentes de aumento da taxa de juros contou com o voto unânime da diretoria do BC.
A pressão sobre Galípolo existe e é real. Mas ele emite sinais de não se deixar intimidar. Deu uma prova disso ao afirmar que não enxerga um ataque especulativo na mais recente onda de alta do dólar. É um bom sinal sua disposição de encarar o Banco Central como instituição de Estado e não do governo de plantão.
Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação.