Fim do encanto (Por Hubert Alquéres)
Lula chegou na ONU com a imagem agastada pelas chamas de um Brasil queimando de ponta a ponta
atualizado
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Há um ano Lula discursou na abertura da Assembleia da ONU em meio a enorme expectativa. Lá anunciou que o Brasil estava de volta ao concerto das nações, após os quatro anos de negacionismo do governo Bolsonaro. O presidente renovou seus compromissos com a democracia e enfatizou que o Brasil passaria a ter papel importante no enfrentamento da crise climática mundial. Seu otimismo estava lastreado na convicção de que o país poderia dar uma contribuição de porte à mudança da matriz energética mundial.
Nesta 3a-feira, Lula voltou a discursar na abertura da Assembleia da ONU, mas sem despertar a mesma atenção de um ano atrás. Na verdade, o clima era de desencanto. Não que tenha cometido grande deslize em seu discurso. A rigor, seguiu o mesmo roteiro do ano anterior, abordando temas da agenda mundial, como meio ambiente, democracia, fome, reforma da governança global.
O problema não esteve em suas palavras, mas no pouco a apresentar sobre as ações de seu governo. Particularmente em uma questão tão sensível para a opinião pública mundial, como a crise climática.
Lula chegou na ONU com a imagem agastada pelas chamas de um Brasil queimando de ponta a ponta. Não serve de consolo dizer que a crise climática é um fenômeno mundial e cobrar das nações mais ricas recursos financeiros. Por mais que negue, isso parece uma transferência de responsabilidade já que o governo brasileiro não tem feito o dever de casa. Ao contrário, foi pego de surpresa pela catástrofe da maior seca das últimas quatro décadas. Para quem tem a pretensão de ser uma liderança mundial na questão ambiental, é frustrante ver se espalhar pelo planeta a imagem de um Brasil devastado pelas chamas.
Seu governo se aproxima da primeira metade do seu mandato e, até agora, tem pouco a apresentar na questão climática. Esse é um fator relevante do desgaste no cenário internacional. A realidade impossível de se esconder é a da falta de planejamento do governo, incapaz de se preparar concretamente para enfrentar os desafios do clima.
As labaredas amazônicas também estão derretendo a oportunidade que Lula tinha para se afirmar como liderança mundial na questão ambiental. Em seu discurso na Assembleia da ONU de 2023, o presidente afirmou “o mundo inteiro sempre falou da Amazônia. Agora a Amazônia fala por si”. Sim, a voz que se houve hoje é a dos seus rios secos, de suas florestas queimadas, de seus animais mortos, de seus indígenas pedindo socorro, de suas riquezas exploradas pelo garimpo ilegal ou pelo crime organizado. E dos Ianomâmis continuando a morrer de desnutrição.
A perda de densidade do presidente no cenário internacional decorre ainda das incongruências de sua política ambiental. E há uma profunda contradição de visões estratégicas entre os membros de seu ministério. Alguma dúvida de que Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima do Brasil, pensa radicalmente diferente de Alexandre Silveira, ministro das Minas e Energia?
Essa sensação de que o governo ainda não disse a que veio nesse campo ficou reforçada em sua peça oratória na Assembleia da ONU. Falta uma política consistente com resultados concretos. Na falta dela, o governo adota medidas pontuais, algumas delas com puro objetivo midiático, como o foi nas enchentes do Rio Grande do Sul, quando, com alarde criou um ministério extraordinário. Agora retira da gaveta o projeto de criação de uma Autoridade Climática.
Não se sabe bem qual será a função e as responsabilidades do novo órgão a ser criado, bem como qual será o seu desenho institucional. Mas desde já, mais grave, o chefe da Casa Civil e a ministra do Meio-Ambiente travam publicamente um duelo para ver a quem o novo órgão a ser criado ficará subordinado. Parece mais uma jogada de marketing para neutralizar o desgaste provocado pelas queimadas e a seca.
A sinalização de Lula para o mundo é de uma ambiguidade quanto a prioridade da questão climática. Na retórica, ela está presente, mas seus atos deixam muito a desejar. Simbologias importam. Nada demais o presidente se reunir com gestores de petroleiras ou de empresas de qualquer setor. Mas, convenhamos, é inteiramente inoportuno se reunir com representantes da Shell fora da agenda oficial e na véspera da Assembleia da ONU onde o brasileiro disse defender bandeiras contrárias à gigante do petróleo.
Seu governo quer reestatizar refinarias, breca a venda de ativos da Petrobras e volta a investir em Abreu e Lima e no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro. Vale lembrar que o Comperj é um dos símbolos dos governos petistas, deveria custar US$ 6,2 bilhões, consumiu quase 5 vezes mais e ainda não funciona como planejado. Por outro lado, a obra irrigou o petrolão, o esquema de corrupção na Petrobras.
Até o início desse ano, a imagem de Lula em relação ao meio-ambiente se beneficiava do desastre dos anos Bolsonaro, nos quais o desmatamento, o garimpo ilegal, as ações predatórias aconteciam impunemente. Quando discursou o ano passado na ONU, bastou a Lula resgatar termos abolidos por Bolsonaro, como “aquecimento global”, “crise climática”, “sustentabilidade”, para cair na simpatia da opinião pública mundial. Esses tempos ficaram para trás com as enchentes do Rio Grande do Sul e com a maior seca dos últimos 45 anos. O governo Lula é intimado a mostrar serviço.
Os olhos do mundo se voltarão para o Brasil em novembro de 2025, quando sediaremos, em Belém, a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas – COP 30. É preciso um sentido de urgência, pois não sabemos como estará a Amazônia daqui a um ano, se a seca e as queimadas continuarem no mesmo ritmo.
O presidente tem de tomar consciência de que o encanto passou. É hora de mostrar serviço, de não se contentar apenas com a mediocridade de comparar o seu governo com o de Bolsonaro.
Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação.