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Fim da farra (por Mary Zaidan)

Decisão de Rosa Weber suspendendo as RP9 provoca curto-circuito na rede bolsonarista

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relator da reforma administrativa na Câmara, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), entregou o texto com seu parecer ao presidente da Casa, Arthur Lira
1 de 1 relator da reforma administrativa na Câmara, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), entregou o texto com seu parecer ao presidente da Casa, Arthur Lira - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

A primeira providência é dar nomes aos bois. RP9, reedição das emendas do relator extintas em 1993 depois do escândalo dos anões do orçamento, é moeda de troca do governo para obtenção de maioria parlamentar. Sem firulas, trata-se de uma espécie de mensalão oficial, do qual o presidente Jair Bolsonaro se tornou dependente. Uma corda de salvação do governo, lançada pelos ávidos líderes do Centrão, que se esgarçou na sexta-feira a partir da liminar suspensiva da ministra Rosa Weber, com imensas chances de se romper de vez na votação do pleno do STF, prevista para esta semana.

O repasse triplamente secreto é acintoso sob todos os aspectos. O público pagante, aquele que entrega parte de seu trabalho em impostos, não sabe quanto, para onde e nem para qual deputado os recursos são entregues. Se são ou não superfaturados – pelo menos R$ 3 bilhões estão sendo investigados pelo Tribunal de Contas da União -, se vão para obras, para os bolsos, ou ambos. No ano passado, a execução dessa categoria de emendas alcançou R$ 20 bilhões, e a previsão para este ano beira R$ 17 bilhões. Escondidinhos.

Para a aprovação da PEC do calote aos precatórios em primeiro turno, por exemplo, a soma do segredo teria chegado a algo em torno de R$ 1 bilhão só nos dois dias que antecederam a votação. O deputado Celso Maldaner (MDB-SC) confirmou que a oferta feita pelo voto em favor da PEC bateu em R$ 15 milhões. Ainda assim, a vitória foi apertadíssima, de apenas 4 votos. Melhor para o Centrão. No dia seguinte já se falava em mais dindim para atrair ausentes e ampliar a margem na segunda rodada, prevista para terça-feira. Tudo diligentemente operado pelo fidelíssimo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

A ministra Rosa Weber suspendeu a farra.

Os argumentos expressos em sua decisão são didáticos quanto à inconstitucionalidade do criativo e imoral RP-9. “Reputa-se violado o princípio republicano em face de comportamentos institucionais incompatíveis com os princípios da publicidade e da impessoalidade dos atos da Administração Pública e com o regime de transparência no uso dos recursos financeiros do Estado.” Demonstrou perplexidade diante do modus operandi do sistema, proibindo sua execução até que o colegiado do STF aprecie o tema.

Diante da urgência, o presidente da Corte, ministro Luiz Fux, incluiu a questão na pauta do plenário virtual desta semana, colocando em suspense as promessas de liberação de recursos secretos que o governo fez na semana passada para garantir a aprovação do parcelamento dos precatórios e da mudança de cálculo do teto de gastos que, somados, garantem à União um extra de mais de R$ 90 bilhões para 2022 – R$ 40 bilhões para o novo Auxílio Brasil e, por óbvio, respiro para turbinar o fundo eleitoral e para o orçamento oculto do próximo ano.

Não será fácil substituir um mecanismo tão simples e direto de compra de votos e formação de maiorias. Sem a sigla mágica, Lira, hoje senhor de tudo e todos, perderá poder de fogo. A conferir na votação da próxima terça, se é que ele manterá o calendário proposto. Sua turma azeita um discurso de que o STF não poderia intervir na execução das emendas RP9, cuja competência regulatória pertenceria exclusivamente ao Parlamento. Vão tentar apelar em nome da harmonia e independência dos Poderes. Mas é balela falar em autonomia quando a questão é ruptura de princípio constitucional, além de moral.

Ainda que o STF enterre a única ferramenta de Bolsonaro para interagir com o Congresso – acabando de vez com um balcão de negócios espúrios -, seu governo deveria comemorar o fato de a Corte se limitar a suspender o pagamento futuro das emendas do relator. Tal como se fez no mensalão, caberia uma investigação mais profunda, complementar à que o TCU iniciou, já farta em  provas de superfaturamento na execução de parcela dos recursos empenhados. E, consequentemente, a punição dos responsáveis pela malversação. Novamente aqui, obriga-se a nominar o gado: dos ladrões de dinheiro público – mentores, operadores e beneficiários.

Desencapado inicialmente pela imprensa, o fio que Rosa Weber puxou expõe um sistema que pode até não ser tão sofisticado quanto o mensalão, mas é igualmente deletério. Sua extinção certamente vai provocar curto-circuitos na interesseira rede bolsonarista. Ao mesmo tempo, fornecerá um pouco de luz para o restante do país.

Mary Zaidan é jornalista

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