Fantasmas nazistas sobre a Europa (por Marcos Magalhães)
Hitler está perigosamente presente nos conflitos do Leste europeu
atualizado
Compartilhar notícia
Adolf Hitler está perigosamente presente nos conflitos do Leste europeu, que propagam abalos sísmicos por todo o Velho Continente. Ele está em tatuagens, em símbolos usados por soldados e em temores sussurrados por líderes políticos a portas fechadas.
Os russos foram os primeiros a denunciar os sinais. Acusaram forças ucranianas de simpatizantes do Terceiro Reich e revestiram sua aventura militar no país vizinho com uma camada política de libertação do nazismo.
O governo da Ucrânia sempre negou simpatia pelos ideais de Hitler. Nada disso poderia fazer sentido, segundo as autoridades do país, uma vez que o próprio presidente Volodymyr Zelensky é judeu.
Algumas fotos recentemente coletadas pelo jornal The New York Times insinuam o contrário. Imagens divulgadas inicialmente pelo Ministério da Defesa da Ucrânia mostram soldado portando emblemas com caveiras e ossos cruzados, como os usados por uma divisão nazista na Segunda Guerra Mundial.
O ministério desmentiu “categoricamente” qualquer relação com o nazismo. E o soldado que aparecia na fotografia divulgada pelo jornal integrava a ala paramilitar de grupos de direita que recorreram às armas após a anexação da Crimeia pela Rússia em 2014.
Os russos têm igualmente suas conexões simbólicas com os ideais de Hitler. E, também aqui, nada aparece de forma oficial. O paramilitar Grupo Wagner, que ajuda as tropas russas na Ucrânia, recebeu esse nome por causa da admiração de seu líder, Dmitry Valeryevich Utkin, pelo compositor alemão Richard Wagner – o preferido do ditador alemão.
Utkin é acusado de espalhar tatuagens nazistas pelo próprio corpo. E integra o movimento Fé Nativa Eslávica, composto por radicais nacionalistas russos.
Enquanto os símbolos ligados ao antigo regime alemão frequentam corpos e uniformes dos lados da guerra na Ucrânia, as lembranças do conflito que se espalhou pela Europa a partir de 1939 alimentam antigos fantasmas do nazismo.
Em conversa privada com o presidente brasileiro Luís Inácio Lula da Silva, em Roma, seu colega italiano Sergio Mattarella comparou o presidente Vladimir Putin a Hitler. Disse ainda que temia a repetição, por Putin, das anexações de países do Leste Europeu promovidas pelos nazistas.
O diálogo ocorreu poucos dias antes da insurreição liderada pelo mercenário Yevgeny Prigozhin, do grupo Wagner, contra o Estado russo. Ele liderou um comboio de blindados que seguiu em direção a Moscou, alimentando boatos de que poderia tentar derrubar Putin. Mas parou a 200 quilômetros da capital russa.
Putin afirmou em rede nacional de televisão que os traidores seriam punidos. Tudo indicava, no entanto, que ele logo havia chegado a algum tipo de acordo com Prigozhin – e que as ações contra o líder mercenário, embora formalmente ainda ativas, seriam mais aparentes que reais.
A rápida sequência de fatos levantou dúvidas, estampadas em jornais das principais capitais ocidentais, sobre a capacidade de Putin de se manter no poder. Mais grave ainda, alimentou temores sobre os possíveis novos passos de Putin.
O líder russo poderia dobrar a sua aposta na Ucrânia? Talvez apostar em movimentos mais duros de combate à oposição interna? Ou ainda, como demonstrou temer Mattarella, seria capaz de planejar invasões em outros países da Europa Oriental, como a Moldávia?
Na conversa com o colega italiano, Lula repetiu as críticas ao plano de paz oferecido pela Ucrânia, que prevê a desocupação do país pelas tropas russas e a devolução dos territórios ocupados até hoje. A seu ver, isso equivaleria a uma “rendição” para a Rússia e a uma “humilhação” para Vladimir Putin.
Humilhação maior, porém, Putin acabou por receber de seu até então aliado Prigozhin. Hoje o presidente russo é visto pelo Ocidente como um líder enfraquecido. Possivelmente capaz de movimentos até agora tidos como improváveis.
Mattarella admitiu temores de repetição na Europa das movimentações de tropas promovidas por Hitler – esse mesmo personagem que, direta ou indiretamente, inspira grupos paramilitares dos dois lados da guerra da Ucrânia.
Existem hoje, porém, novas formas de espalhar o conflito para bem além do Velho Continente. Os russos têm se especializado, por exemplo, em ações de contrainformação, capazes de influir em eleições nos Estados Unidos. E agora são capazes de emudecer fibras óticas deitadas sobre os leitos dos oceanos, com catastróficas consequências econômicas globais.
Um enfraquecido Putin se sentiria tentado a adotar medidas mais radicais? Hoje é muito difícil saber. O que se sabe, porém, é que as várias modalidades de guerra de hoje podem ser bem mais devastadoras do que aquelas que mudaram o mundo há oito décadas.
Ou seja, o mundo atual é potencialmente mais perigoso do que o do tempo de Hitler. As atuais lideranças nos dariam uma boa notícia se mostrarem ser capazes de multiplicar também sua sabedoria política, para deixar nos livros de História as ameaças de conflitos sem controle.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.