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Fala de Bolsonaro sobre a Ucrânia envergonha Brasil

Nenhuma palavra de solidariedade aos civis atingidos pelas armas de Putin

atualizado

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Jair Messias Bolsonaro
1 de 1 Jair Messias Bolsonaro - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Editorial de O Globo

Depois de dias de silêncio, o presidente Jair Bolsonaro aproveitou uma entrevista coletiva no último domingo para proferir suas primeiras declarações a respeito da guerra na Ucrânia — e, como esperado, foi extremamente infeliz em seu pronunciamento. Bolsonaro afirmou que o Brasil “não vai tomar partido”, defendeu as razões alegadas por Vladimir Putin para o ataque russo e disse que o Brasil adotaria uma posição neutra diante do conflito.

Nenhuma palavra de solidariedade aos civis ucranianos atingidos pelas armas de Putin (só ontem ele falou em oferecer vistos humanitários a refugiados). Nenhuma crítica à agressão russa ao território soberano da Ucrânia. Em vez disso, Bolsonaro fez apenas uma menção irônica ao presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky: “O povo confiou em um comediante para traçar o destino da nação”. Zelensky tem sido aplaudido no mundo todo por ter preferido cerrar fileiras com seus soldados na defesa do país a exilar-se.

As declarações de Bolsonaro, que revelam seu despreparo absoluto para lidar com política externa, são uma vergonha para o Brasil. Mais que isso, entram em conflito com as posições que o Itamaraty tem adotado nos foros internacionais (em parte, é certo, por ter sofrido pressão depois da nota tímida emitida no primeiro dia de guerra).

É verdade que o Brasil não subscreveu nem o comunicado conjunto do Mercosul nem o da Organização dos Estados Americanos (OEA) condenando a Rússia. Mas no foro mais relevante, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, votou, ao lado de 11 países, a favor da resolução condenatória (vetada pelo representante russo) e a favor da convocação da sessão extraordinária da Assembleia Geral dedicada à crise ucraniana, onde ontem o embaixador brasileiro na ONU, Ronaldo Costa Filho, voltou a expressar um ponto de vista sensato.

Em todas as sessões, ele manifestou a posição mais razoável levando em conta o interesse nacional: condenou a violação da soberania e a violência, exigiu cuidados com os civis atingidos e refugiados deslocados, além de uma solução diplomática para o conflito. “A situação atual de forma nenhuma justifica o uso da força contra a integridade territorial e soberania de nenhum Estado integrante da ONU”, disse ontem. E repetiu o apelo que fizera no domingo pela “interrupção imediata das hostilidades”, pelo “respeito pleno à lei humanitária” e pela tentativa de restabelecer a confiança e o “diálogo entre as partes envolvidas”.

Ao mesmo tempo, recomendou cautela em relação ao envio de armas, ao uso de ataques digitais ou à aplicação de sanções, que podem contribuir para acirrar os ânimos em vez de arrefecê-los. Como importador de trigo e fertilizantes, o Brasil não tem interesse em alijar os fornecedores russos do mercado, muito menos num conflito prolongado entre a Rússia e o Ocidente.

Isso não significa, obviamente, manter a “neutralidade” preconizada por Bolsonaro em seu pronunciamento, muito menos endossar a agenda expansionista e antidemocrática de Putin, baseada numa leitura mentirosa da História e da realidade. A invasão ao território de um país soberano, o ataque a civis indefesos e a promoção dessa agenda têm de ser condenados com firmeza. Zelensky pode ter sido comediante no passado, mas sua atitude diante da tragédia tem demonstrado que está muito longe de ser uma piada.

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