Eu penso nisso o tempo todo (por Catalina Ruiz-Navarro)
Assim como inventamos este modelo de mãe sempre pronta à renúncia e ao sacrifício, podemos inventar outro
atualizado
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Durante muitos anos nos disseram que a maternidade era o nosso único e melhor destino, nos disseram que era a nossa realização como mulheres e pintaram isso de rosa para nós. Esta ideia ainda é válida, dominando fortemente muitos espaços, mas muitos de nós também sabemos que se trata de publicidade enganosa.
Em outros círculos, porém, parece que tudo o que envolve a maternidade é um imenso alerta. Se você gesta e para, coloca sua vida em risco; se você criar, o risco é para sua carreira profissional, a dupla jornada vai triplicar, seu tempo livre vai desaparecer e seu corpo, e/ou sua vida e sua saúde mental nunca mais serão os mesmos. Todos estes são medos justificados. A maternidade é o momento em que muitas pessoas privilegiadas descobrem que existe discriminação de género. O momento em que, devido ao aumento do trabalho de cuidado, você começa a ganhar menos dinheiro e se cria uma dependência econômica do companheiro ou de outra pessoa da família, o que sem dúvida impactará na sua capacidade de tomar decisões livremente no futuro. É o momento em que você se despolitiza, porque você não tem ninguém para cuidar do seu bebê enquanto você sai para marchar, porque você não tem tempo para estar presente na assembleia. É quando nasce uma culpa permanente que o patriarcado usará para manipular você.
Como todos estes obstáculos são reais, também passamos a acreditar que são inevitáveis. Assumimos como certo que teremos que nos resignar a tantos sacrifícios se decidirmos ter filhos. Especialmente porque se a decisão foi nossa – quem manda em nós! – este é simplesmente o preço que temos de pagar pelo nosso capricho excêntrico. Ah, mas é possível ter filhos sem se sacrificar. Você pode ter todos os filhos que quiser sem colocar em risco a saúde e a carreira, basta ser pai.
O que quero dizer não é que devemos ser pais como os homens são pais, não quero a extinção da raça humana! O que quero dizer é que as liberdades parentais são a prova de que as opressões que acompanham a maternidade, que parecem irremediáveis, nada mais são do que machismo estrutural. Talvez os homens cisgênero não consigam gestar, dar à luz e amamentar, mas, além disso, têm as mesmas capacidades que nós para cuidar dos nossos filhos. Há também muitas mães que não fazem nenhuma dessas três coisas e, ainda assim, enfrentam as mesmas opressões que todas as outras pessoas. Isso é ruim e é bom, porque, por um lado, que raiva!, mas por outro, quando entendemos, percebemos que, assim como inventamos esse modelo de mãe sempre pronta à renúncia e ao sacrifício, nós podemos inventar outro, que permita que nós, mães, sejamos livres e autônomas. O que corta as liberdades das mulheres não é a maternidade, é um contexto social e cultural que instrumentaliza a maternidade para tirar as nossas liberdades.
Para inventar outras formas de maternidade, teremos que começar por identificar as mentiras e narrativas que naturalizam estas opressões. Por exemplo, dizem-nos que existe um instinto, como um software que só é carregado nas mulheres, e que nos torna aptos para o trabalho de cuidado. Mas a renomada acadêmica Sarah Blaffer Hrdy mostrou que tanto homens quanto mulheres experimentam alterações neurológicas e endócrinas quando se comprometem a cuidar de um bebê. Você não precisa ter gestado; você pode ser o pai, o tio, a avó; seu corpo muda com o trabalho de cuidar. Se isso não acontece com a maioria dos pais é porque não estão assumindo o compromisso do cuidado.
Há algo comum que identifica todos os discursos patriarcais sobre a maternidade (que vêm disfarçados de ciência, sociologia, psicologia) e é que todos apontam para um resultado prático: retirar as mães da esfera pública e confinar-nos à esfera privada, criando também uma série de dependências que reduzirão nossa autonomia e acesso a direitos. O que temos que fazer para que isso deixe de ser assim? As lutas são muitas e imensas. Precisamos do direito ao aborto para evitar a maternidade forçada, de um rendimento básico universal para ter autonomia económica, de pais presentes que, além de dinheiro, contribuam com trabalho e tempo, de um Estado que invista na saúde, na habitação e na educação, porque quando os Governos fazem cortes nas nessas áreas, o gasto é transferido para o bolso das mães.
E precisamos especialmente que a maternidade deixe de ser um “tópico de nicho”. Todos nós temos uma mãe, e as opressões que ela sofreu inevitavelmente atravessam nossas vidas hoje. Não basta não ter filhos para escapar deles. E mesmo que não haja infâncias na sua vida, você se beneficia diretamente do nosso trabalho parental, nossos filhos pagarão sua pensão, sairão para votar, pagarão impostos. A maternidade pode ser uma decisão pessoal, mas o trabalho da maternidade beneficia a todos nós.
Para mim, meu livro Desejada, Maternidade Feminista, publicado pela editora Grijalbo na Colômbia e que chegará ao México em março de 2025, é um livro de mistério: o mistério de como continuamos desejando ser mães apesar de tudo as adversidades. Quero colocar sob suspeita os discursos contemporâneos sobre a maternidade para compreender de onde vêm e que intenções escondem. Compreender os obstáculos, para construir caminhos coletivos rumo à liberdade e autonomia das mães, o que só será possível se tivermos mais direitos. E também entrevisto mães e pais feministas, para tentar perceber o que têm em comum apesar de serem pessoas tão diversas. E sim, existe um ponto de partida comum para todos os projetos parentais feministas: uma maternidade desejada.
(Transcrito do El País)