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Escárnio, caos e retrocesso (por Mary Zaidan)

Bolsonaro se lixa para as instituições e faz de tudo para detoná-las

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Reunião de Jair Bolsonaro com médicos, na qual ouve ressalvas às vacinas; na mesa, Osmar Terra ao lado de Bolsonaro, com o virologista Paolo Zanoto sentado à direita, na foto, de camisa cinza e cabelos longos
1 de 1 Reunião de Jair Bolsonaro com médicos, na qual ouve ressalvas às vacinas; na mesa, Osmar Terra ao lado de Bolsonaro, com o virologista Paolo Zanoto sentado à direita, na foto, de camisa cinza e cabelos longos - Foto: Reprodução

Que o presidente Jair Bolsonaro não tem qualquer apreço por regras, normas, leis é algo sabido. Há mais de 30 anos, a indisciplina colocou fim à sua curta carreira militar lançando-o nos lucrativos braços da política do baixo clero, para a qual carreou a sua prole. De mau militar no passado se tornou um mau político e mau presidente, que insiste em dar maus exemplos.

A obsessão de Bolsonaro em romper regras beira o vício. Por vezes, desfila de motocicleta sem usar capacete, como fez no Acre, carregando o empresário Luciano Hang, e em Rondônia, com o ministro Tarcísio de Freitas na garupa, ambos também sem a proteção obrigatória. Tudo sob os olhos passivos da Polícia Rodoviária. Fanfarrão e sorridente, zomba dos mais de 470 mil mortos pela Covid-19 – de suas famílias e dos exauridos profissionais de saúde que se empenham pela vida – ao expor nas redes sociais vídeos de suas aglomerações, sem máscara, desafiando as normas sanitárias. Prega remédios milagrosos, inventa estatísticas, mente compulsivamente.

É tão avesso às normas que chegou ao absurdo de afrontar as estruturas de seu próprio governo ao estabelecer um gabinete paralelo para tocar os procedimentos de combate à pandemia, todos na contramão da ciência. No vídeo divulgado pelo Metrópoles de uma reunião de Bolsonaro com “conselheiros”, entre eles o deputado Osmar Terra, o mesmo que dizia que a Covid-19 faria menos vítimas do que a H1N1, e a imunologista Nise Yamaguchi, árdua defensora da hidroxicloroquina, o virologista Paolo Zanotto defende, sem qualquer constrangimento, a formação de um shadow cabinet (gabinete da sombra, literalmente).

O nome, importado do Reino Unido, refere-se à prática da oposição de juntar um time para fazer frente ao programa e ações do governo da vez, o que torna surreal uma formação semelhante patrocinada por quem está no poder. A iniciativa bolsonarista só se explica para fugir da publicidade, do Diário Oficial, da obrigação legal de transparência nos atos públicos.

Mas a consagração do desrespeito às regras foi o episódio da não punição do general Eduardo Pazuello, com quem Bolsonaro dividiu palanque no Rio de Janeiro depois de uma motosseata em que usou capacete e, mais uma vez, dispensou a máscara. O presidente premiou a transgressão do ex-ministro da Saúde nomeando-o para um cargo no Planalto, ao seu lado, deixando claríssimo que não aceitaria que ele recebesse nem mesmo um leve puxão de orelha. Foi atendido com a perigosa quebra do regulamento militar, expresso em lei de 2002, baliza da hierarquia e da disciplina.

Ao fazê-lo, o general Paulo Sérgio Nogueira também infringiu o código por “deixar de exercer autoridade compatível com seu posto ou graduação” – item quatro dos 113 expressos na relação de transgressões passíveis de punição. Mais do que se anular como comandante, deixou o Exército de cócoras diante de um presidente que da boca para fora tece loas às Forças Armadas, mas que por elas não nutre respeito algum. Quer apenas manipulá-las a seu bel prazer.

A falação contra as leis faz parte da história de Bolsonaro. Rendeu-lhe votos e continua sendo a chave para assegurar seguidores fiéis. Deputado, notabilizou-se como apologista da tortura. Cuspia na Lei da Anistia, aplaudia o pau-de-arara, a morte de comunistas – o eterno inimigo imaginário -, agradando à minoria carpideira, saudosa dos anos de chumbo.

Presidente, passou a operar cotidianamente para derrotar a legalidade e sujeitar o Estado às suas vontades. E já antecipou que sem voto impresso vai mandar às favas a legislação eleitoral, negando-se a aceitar o resultado das urnas diante de uma eventual – e provável – derrota em 2022. Recentemente, passou a alardear um falso respeito às “quatro linhas da Constituição”, divertindo-se com reiteradas ameaças de romper esse limite, descaradamente em nome  do “poder do nosso povo”.

Bolsonaro se lixa para as instituições ou para as quatro linhas que tanto cita. Faz de tudo para detoná-las. Ao mesmo povo que prometia “respeitar” e fazer valer o lema “ordem e progresso”, entrega escárnio, caos e retrocesso.

Mary Zaidan é jornalista 

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