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Entre a justiça e o filho, Biden escolheu o filho (Pedro Adão e Silva)

Acentua-se o cinismo dos norte-americanos face às instituições e deita-se fora a réstia de superioridade moral do campo democrata

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Hannah McKay – WPA Pool/Getty Images
LONDRES, INGLATERRA - 19 DE SETEMBRO: O presidente dos EUA, Joe Biden, chega para o funeral de Estado da rainha Elizabeth II na Abadia de Westminster em 19 de setembro de 2022 em Londres, Inglaterra. Elizabeth Alexandra Mary Windsor nasceu em Bruton Street, Mayfair, Londres, em 21 de abril de 1926. Ela se casou com o príncipe Philip em 1947 e subiu ao trono do Reino Unido e da Commonwealth em 6 de fevereiro de 1952 após a morte de seu pai, o rei George VI. A rainha Elizabeth II morreu no Castelo de Balmoral, na Escócia, em 8 de setembro de 2022, e é sucedida por seu filho mais velho, o rei Carlos III
1 de 1 LONDRES, INGLATERRA - 19 DE SETEMBRO: O presidente dos EUA, Joe Biden, chega para o funeral de Estado da rainha Elizabeth II na Abadia de Westminster em 19 de setembro de 2022 em Londres, Inglaterra. Elizabeth Alexandra Mary Windsor nasceu em Bruton Street, Mayfair, Londres, em 21 de abril de 1926. Ela se casou com o príncipe Philip em 1947 e subiu ao trono do Reino Unido e da Commonwealth em 6 de fevereiro de 1952 após a morte de seu pai, o rei George VI. A rainha Elizabeth II morreu no Castelo de Balmoral, na Escócia, em 8 de setembro de 2022, e é sucedida por seu filho mais velho, o rei Carlos III - Foto: Hannah McKay – WPA Pool/Getty Images

Joe Biden carrega um drama há décadas. No final do seu mandato, com o espectro do regresso de Trump à Casa Branca, ao indultar o filho, optou por transformar esse drama pessoal numa tragédia política. Não surpreende, considerando o clima de dissolução que arrasta a democracia norte-americana.

Vale a pena recordar. Quando há 52 anos Joe Biden foi eleito senador do Delaware, a sua mulher e os três filhos tiveram um brutal acidente de viação. A mulher e a filha de um ano tiveram morte imediata, os dois rapazes, Beau e Hunter, estiveram meses hospitalizados e sobreviveram. Na altura, ao contrário dos restantes membros do Senado, Biden fez o juramento de tomada de posse no hospital, junto à cama dos filhos, e, ao longo dos 36 anos como senador, manteve-se ao lado dos rapazes, apanhando diariamente o comboio do Delaware para D.C. Mais tarde, em 2015, num comovente discurso em Yale já como vice-presidente, não escondeu, a sua circunstância pessoal: “A ligação incrível que tenho com os meus filhos é uma dádiva, não sei se a teria tido não fora aquilo por que passei.” A tragédia deu a Biden consciência da sua “primeira obrigação”: “Ao focar-me nos meus filhos, encontrei a minha redenção.”

Biden voltou a casar, teve uma filha e os rapazes cresceram: Beau com uma carreira de sucesso, enveredando a certa altura pela política; Hunter com um historial de consumos, dependências e ilicitudes várias. Entretanto, Beau morreu aos 46 anos, levado por um câncer fulminante no cérebro. Especula-se que terá sido nesse momento que Biden decidiu não suceder a Obama como candidato presidencial.

Há outro lado da história mais conhecido. Os democratas escolheram Hillary Clinton, que foi derrotada por Trump, e, em 2020, Biden decidiu concorrer às primárias e venceu Trump nas presidenciais. Este ano, perante a perda de capacidades, abdicou da recandidatura, abrindo caminho a Kamala Harris, que viria a ser derrotada. Ao longo de todo este tempo, Biden foi sempre claro: em momento algum utilizaria os poderes presidenciais para proteger o filho Hunter. Afinal, confiava na justiça. Dito e não feito. Esta semana, indultou o filho de todas as acusações, protegendo-o dos crimes de que é acusado, mas também de qualquer outro ilícito que eventualmente tenha cometido na última década. A justificação é que Hunter terá sido tratado de forma diferente pela justiça, por motivos políticos.

Estamos face a um novo consenso de Washington: Biden e Trump concordam que há uma irremediável politização da justiça. Mesmo sendo diferente indultar parceiros de negócios e um filho, a consequência política é inequívoca – acentua-se o cinismo dos norte-americanos face às instituições e deita-se fora a réstia de superioridade moral do campo democrata na crítica à relação de Trump com a justiça. Agora, o presidente eleito terá campo aberto para praticar as ignomínias de que faz modo de vida.

É conhecida a forma como Albert Camus lidou com o dilema moral resultante de apoiar os nacionalistas argelinos – o país onde nasceu – e tolerar o terrorismo independentista, que ameaçava os pieds-noirs de Argel, como a sua mãe. Confrontado com as críticas, Camus sentenciou: “Eu creio na justiça, mas defenderei a minha mãe antes da justiça.” No tal discurso em Yale, Biden confessou: “A verdadeira razão pela qual regressava a casa todas as noites, vindo de Washington, é porque precisava mais dos meus filhos do que eles precisavam de mim.” Num gesto demasiado humano, Biden escolheu, de novo, os seus filhos. Pelo caminho, perdeu a fé na democracia na América. Ele e nós, com a sua decisão.

 

(Transcrito do PÚBLICO)

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