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Empresas, governos e a conta do aquecimento global (Felipe Sampaio)

Como descascar o abacaxi da mudança climática mantendo o setor privado lucrativo, os governos eficientes e os pobres menos pobres

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Terra seca, geleiras derretendo e indústria
1 de 1 Terra seca, geleiras derretendo e indústria - Foto: null

As últimas Conferências do Clima das Nações Unidas avançaram nas estimativas sobre o aquecimento global. A essa altura, já se conhece os setores econômicos que mais emitem, bem como os países e regiões. Da mesma forma, sabe-se os efeitos causados aos biomas e às populações, e o montante de prejuízos acumulado.

É bem verdade que as tratativas evoluíam razoavelmente até que a COVID19 seguida da guerra na Ucrânia arrefeceram a disposição dos governos e das empresas de cumprir as metas multilaterais de descarbonização, especialmente nos setores de energia, combustíveis e alimentos.

Contudo, nem o Corona Vírus e nem Putin podem ser condenados como carrascos isolados (nem sequer principais) da desaceleração das providências previstas nos acordos climáticos vigentes.

Acontece que o fator limitante dos avanços é estrutural e se encontra entre os pilares da economia moderna, que fundamentam tanto o investimento privado como o gasto público que o subsidia. Ao final, seja governo, seja empresa, ninguém se anima em fechar seus balanços no vermelho.

Para sermos mais exatos, a regra básica dos mercados é não apenas fechar no azul, como também maximizar esses resultados positivos. É uma ‘lei’ da eficiência que não merece juízo de valor em si, porque busca a obtenção dos melhores resultados possíveis, como em qualquer outra atividade humana.

Para isso, um caminho comprovadamente eficaz é minimizar os custos. E é exatamente nessa minimização de custos que o setor privado desde sempre tem exagerado em economizar, negligenciando nos princípios da Responsabilidade Socioambiental (RSE) ou, mais recentemente, Governança Social e Ambiental (ESG).

O passivo ambiental e social vem sendo percebido, contabilizado, regulamentado e tratado gradualmente, a partir das legislações e políticas trabalhistas, de saúde pública, saneamento, poluição do ar e água. O problema é que a produção industrial, a agropecuária, as cidades, a população e o consumo crescem muito mais rápido do que o nível de conscientização geral sobre a degradação que se provoca sobre as condições de sustentação da vida em grau planetário.

Até algumas décadas atrás, só se percebeu a escala global do estrago depois que ele estava feito. Em certo momento, fez todo o sentido quando Al Gore chamou o dilema climático de “verdade inconveniente”, porque se tratava de um despertar para um problema temporal difícil de responder: como corrigir os estragos passados, estancar os estragos atuais, prevenir os estragos futuros e se adaptar aos estragos irreversíveis?

Hoje, mesmo sendo possível prever o agravamento e os efeitos futuros, a resposta poderia ser mais fácil se não estivesse inevitavelmente associada a questões adicionais: como resolver tudo isso ao mesmo tempo, sem parar a economia e sem aprofundar as desigualdades sociais? Dito de outra forma, como descascar o abacaxi da mudança climática mantendo o setor privado lucrativo, os governos eficientes e os pobres menos pobres.

Vai ser difícil chegar a uma solução efetiva sem um volume de investimento em tecnologias, infraestruturas e serviços (públicos e privados) que transcende as vacas sagradas da economia e da administração contemporâneas. Será indispensável rever as definições de público, privado, lucro, risco, custo, produtividade, riqueza e soberania. Em alguma medida, ninguém vai escapar de pagar essa conta.

 

Felipe Sampaio: atual diretor do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública SINESP; cofundador do Centro Soberania e Clima; chefiou a assessoria dos ministros da Defesa e da Segurança Pública; foi secretário-executivo de segurança urbana do Recife.

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