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Em se plantando, tudo dá (por Gustavo Krause)

De fato, a agropecuária brasileira ratifica o conceito de “o país dos contrastes”

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Imagem colorida de trator realizando colheita de grãos de soja - Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida de trator realizando colheita de grãos de soja - Metrópoles - Foto: Getty Images

Pero Vaz de Caminha jamais escreveu esta frase. É uma ilação da parte final do documento “A Carta de Achamento do Brasil”, referente ao território do nosso país. O texto, inspirado no colonialismo eurocêntrico à cata de novas terras, metais preciosos e na missão salvífica em converter os gentios ao Cristianismo, descreveu detalhadamente, a terra, a gente e os impactos das distintas culturas.

“A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem-feitos. Andam nus, sem nenhuma cobertura. Nem estimam de cobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência quanto mostrar o rosto”. Assim, o autor da primeira peça literária escrita no Brasil narrou a nossa virginal ancestralidade.

Sobre a terra, o escriba afirmou: “Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro ou prata, nem coisa de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares […] Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, tudo por bem das águas que tem”.

Premonição ou não, a verdade é que na pia batismal, a árvore da qual se extraia uma resina vermelha, o Pau-Brasil, deu nome ao país e se constituiu no primeiro ciclo de exploração predatória que, a partir de então, obedeceu ao ritmo de prosperidade, seguida de devastação ambiental e agonia do “gigante pela própria natureza”.

Em se plantando tudo dá e águas infindas saudavam a natureza exuberante, infelizmente, explorada por um modelo de crescimento econômico, a qualquer preço, e que, atualmente, contribui com o cenário de uma tragédia climática de dimensão global.

Da visão edênica do paraíso tropical, à grave crise ambiental, em menos de um século, todos os nossos preciosos ecossistemas sofreram agressões, danos expondo a finitude dos recursos naturais.

Hoje, está às vistas, apesar dos negacionistas. Mas as advertências vêm de longe. Na admirável visão de Nabuco (1849-1910) e Rebouças (1838-1898), abolicionistas liberais e reformistas, o capitalismo moderno teria como base o uso correto e eficiente dos recursos naturais. Para Nabuco o vetor da destruição era a escravidão: “aonde ela chega (a escravidão) queima as florestas, minera e esgota o solo, e quando levanta suas tendas deixa após si um país devastado em que consegue vegetar uma população miserável de proprietários nômades” (O abolicionismo. Ed. Vozes, 1977).

Na segunda década do século XX, Alberto Torres (1865-1917) advertia quanto aos rumos civilizatórios: “o homem tem sido um destruidor implacável e voraz das riquezas da terra, toda vida histórica da humanidade tem sido uma vida de devastação e esgotamento do solo, de incêndios de tesouros e de florestas, de saque de minérios ao seio da terra, de esterilização da superfície” (O problema nacional. Ed. Nacional, 1978).

Se nós mostrássemos a Caminha a que ponto chegou a situação da Mata Atlântica, do Cerrado, da Caatinga, da Amazônia, do Pantanal, ele se julgaria péssimo profeta. Porém, se mostrássemos e explicássemos o fenômeno da agropecuária brasileira, ele, a princípio incrédulo, acrescentaria um “depende”: plantando com os devidos cuidados ambientais e incentivos adequados, o empreendedor rural colherá a riqueza pressentida.

De fato, a agropecuária brasileira ratifica o conceito de “o país dos contrastes”, demonstrando que, uma vez realizadas políticas públicas consistentes, o Brasil avançará na direção das megatendências globais, entre elas, a produção sustentável de alimentos para o mundo.

A trajetória do setor é um feito extraordinário. O agregado agropecuária saiu de um padrão rudimentar a partir da década de 70 (38 milhões de toneladas de grãos, em 1975, para 315 milhões de toneladas em 2023 – IBGE), para alcançar um padrão de produção moderno o que explica o crescimento recorde de 15,1% (2023)  no PIB que cresceu 2,9%.

Com a adição do agronegócio (o que se produz “dentro e fora da porteira”), a cadeia produtiva se aproxima de uma participação de um quarto do PIB o que representa 19% do mercado de trabalho. Cabendo acrescentar que, em 2023, o Brasil liderou a exportação de 10 produtos.

O que explica o fenômeno do setor, desde a origem, é a convergência virtuosa de fatores a começar pela disponibilidade da abundância de recursos naturais, extremamente sensíveis e dilapidados, mas que, uma vez respeitados, asseguram produção sustentável e competitiva. A agricultura e o meio ambiente interagem e se fortalecem mutuamente. Investimentos em pesquisa, ciência, inovação, infraestrutura, crédito e associativismo se somam à comprovada capacidade empreendedora dos que trabalham de sol a sol.

Um olhar realista sobre a “terra de muito bons ares”, mencionada pelo cronista, compreenderá e vencerá os novos desafios. Todos, complexos, porém, superáveis graças à combinação de políticas econômicas e socioambientais capazes de assegurar competitividade, produtividade crescente e equidade social.

Caminhando, assim, em direção ao futuro, Pero Vaz está certo.

 

 Gustavo Krause foi ministro da Fazenda 

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