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Eleições organizadas para o crime organizado (por Felipe Sampaio)

Inúmeros casos de envolvimento de candidatos a vereador ou prefeito com o chamado crime organizado

atualizado

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Arte gráfica colorida de estátua da Justiça, com balança preta quebrada ao fundo, vermelho. A estátua é branca e, além da venda nos olhos, está com a boca tapada. O peito dela consta com a inscrição PCC e a cabeça o numeral 1533 - Metrópoles
1 de 1 Arte gráfica colorida de estátua da Justiça, com balança preta quebrada ao fundo, vermelho. A estátua é branca e, além da venda nos olhos, está com a boca tapada. O peito dela consta com a inscrição PCC e a cabeça o numeral 1533 - Metrópoles - Foto: Arte/Metrópoles

Na reta final do primeiro turno das eleições, inúmeros casos de envolvimento de candidatos a vereador ou prefeito com o chamado crime organizado ganharam espaço no noticiário. Porém, sejamos francos, o fenômeno já não é surpresa, por mais que ainda cause espanto.

A tendência foi muito bem abordada pela dirigente do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo (Poder 360, 11/09/24): “Em alguns casos, autoridades e gestores públicos são cooptados pelo crime organizado… antes mesmo de entrar na política”.

O surpreendente mesmo é que o brasileiro parece ter desenvolvido um talento para explicar a realidade óbvia com narrativas complexas, ao contrário do que seria de se esperar (quem sabe, um legado do bombardeio mental por cinco telenovelas diárias). Vamos combinar que, no nível em que a violência chegou aqui na hospitaleira Terra da Santa Cruz, não é mais exagero chamar esse problemaço de tragédia nacional.

Porém, o caso corre o risco de ser banalizado como apenas mais uma modalidade da nossa corrupção política ‘normal’. Mas, a estratégia adotada pelo crime organizado de se enfronhar no Estado começando pelos municípios não se trata trocar o domínio territorial violento pela prática normal da corrupção. Tem outra razão simples: esse é o caminho normal na escalada política.

Em outro artigo recente, o ex-ministro José Dirceu (Carta Capital, 17/09/24) apontou que “já na pré-campanha eleitoral, [facções criminosas] definem os candidatos a prefeito e a vereador que vão apoiar e que, se eleitos, irão facilitar seus negócios junto às prefeituras”.

Dito de outra forma, além das facilidades de lavagem do dinheiro por meio dos contratos de obras, compras, serviços e shows, o que os criminosos almejam é, digamos, lavar também o seu poder em si, procurando formalizar e expandir seu controle político territorial, por meio de eleições legítimas e de concursos públicos (uma espécie de golpe de Estado por vias legais).

Não cabe surpresa, porque o caso é só mais uma ‘crônica de uma morte anunciada’ do enredo brasileiro, que inevitavelmente iria se concretizar, mais cedo ou mais tarde. Em hipótese nenhuma, significa que o crime organizado vá abrir mão de invadir violentamente mais e mais territórios, mesmo que conquistem parcelas do poder formal. É o modelo clássico de ‘máfia’, como ocorreu na Colômbia, Venezuela, México, EUA, Itália, Bélgica, Leste Europeu, Marrocos, Ásia etc.

Ou seja, é aqui que entra em cena nossa tendência a abrandar a narrativa, numa espécie de dicotomia entre o bandido violento e o ‘corrupto normal’. Acontece que as coisas podem, e vão, coexistir. Quanto mais violência, maior a impregnação do crime na política, e vice-versa.

Exemplo interessante para os futuros prefeitos é o da cidade colombiana de Medelín, onde, após o governo federal desmantelar as quadrilhas e as milícias que dominavam os territórios pobres (e atrapalhavam o estilo de vida dos ricos), a prefeitura destinou seus investimentos públicos para a reformulação urbana, com foco na desigualdade social e na insegurança.

Vale lembrar que outra chaga do nosso desenvolvimento-pela-metade – a desigualdade social – também já desfilou na passarela eleitoral durante algumas décadas, até sair de moda, apesar de ainda ser o ‘problema guarda-chuva’ que abriga as demais mazelas: saúde, educação, segurança, emprego, desmatamento etc.

No Brasil, quase 50 mil pessoas são assassinadas anualmente, na maior parte em bairros pobres, onde os serviços e os espaços públicos são escassos e deficientes (uma incubadora ideal para a corrupção e a violência). É para cuidar disso que servem os prefeitos e vereadores.

 

Felipe Sampaio: chefiou a assessoria do ministro da Defesa; dirigiu o sistema de estatísticas no ministério da Justiça; foi secretário-executivo de segurança urbana do Recife; cofundador do Centro Soberania e Clima; membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; ocupa a chefia de gabinete da secretaria-executiva no Ministério da Microempresa.

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