Eleições 2024: O prefeito ganhou o Nobel de economia (Felipe Sampaio)
O nível de bem-estar social médio alcançado por cada país está associado à finalidade com que seus colonizadores estruturam seus governos
atualizado
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As eleições para prefeito têm tudo a ver com o tema vencedor do Nobel de Economia 2024. É bem verdade que quem ganhou o prêmio foram os economistas Robinson, Acemoglu e Jonhson. Porém, eles atribuem o nível de desenvolvimento socioeconômico de uma nação ao seu processo de amadurecimento democrático. E é no município que a democracia acontece (como tudo mais na vida real).
Não é exagero aproveitar as conclusões de abrangência nacional do Nobel 2024 para descer a reflexão ao nível da relação entre a qualidade da gestão municipal e o bem-estar da população. Os autores partiram de uma questão provocativa antiga: “Por que os 20% de países mais ricos são 30 vezes mais ricos que os 20% mais pobres”? Vale considerar que o assunto já fora tratado anteriormente, por Leo Huberman, Eduardo Galeano e Amartya Sen, passando pelos brasileiros Celso Furtado, Darci Ribeiro e Leonardo Guimarães.
A novidade é que agora buscou-se aprofundar a compreensão de como a diferença de qualidade entre as instituições públicas criadas em colônias europeias distintas impactou de modo também desigual no desenvolvimento desses lugares. Para isso, o novo estudo partiu de períodos anteriores às iniciativas democráticas americanas do século XVIII, começando pela análise comparativa das experiências de colonização europeia no Novo Mundo desde o século XVI.
Constatou-se que o nível de bem-estar social médio alcançado por cada país analisado está associado à finalidade com que seus colonizadores estruturam seus governos, suas casas legislativas e o sistema judiciário (ou, para atender a quem?). Por exemplo, as colônias nas quais predominou um modelo econômico extrativista espoliativo enriqueceram (os colonizadores) inicialmente com maior velocidade. Porém, em seguida, mergulharam (a colônia) em instabilidade política e desigualdade social que, muitas vezes, perduram até hoje.
Foi o caso da América Latina, inclusive nações com PIB expressivo, como o Brasil e o México, onde a desigualdade se manifesta no nível interno, regional. Por outro lado, aquelas colônias que foram ocupadas por famílias em busca de se estabelecerem e prosperarem localmente (como EUA e Canadá), foram equipadas pelos colonizadores com modelos de Estado mais inclusivos, que serviram de base para democracias mais estáveis e prósperas.
Essas conclusões permitem uma comparação com as desigualdades existentes entre as regiões brasileiras, explicando por que o Sul do Brasil, povoado por famílias de agricultores e empreendedores livres, consolidaram melhores indicadores sociais e econômicos no longo prazo do que o Nordeste e o Norte, cujas economias agroexportadoras, concentradas nos bolsos de poucos, viabilizaram-se graças à mão-de-obra escravizada.
Da mesma forma, os estudos também podem ajudar a compreender as desigualdades entre os municípios.
O Nobel deste ano menciona o exemplo da cidade de Nogales, cortada ao meio pela fronteira entre os EUA e o México. É visível que os seus bairros situados no lado estadunidense são mais seguros e desenvolvidos do que aqueles que ficam na parcela mexicana de Nogales.
No entanto, vale a pena citar outros casos municipais, que ficaram de fora da pesquisa vencedora do Nobel de 2024, como a cidade de Iztapalapa, no próprio México, ou Medelín, na Colômbia, ou ainda a pequena Cupira, em Pernambuco. São exemplos de como uma prefeitura pode reverter, com políticas municipais inclusivas, um quadro histórico de violência e desigualdade social. Seus prefeitos merecem o Prêmio Nobel.
Felipe Sampaio: cofundador do Centro Soberania e Clima; foi secretário-executivo de segurança urbana do Recife; dirigiu o sistema de estatísticas no ministério da Justiça; chefiou a assessoria do ministro da Defesa; membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; ocupa a chefia de gabinete da secretaria-executiva no Ministério da Microempresa.