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Eleições 2024: a cadeirada da geleia patriota (por Felipe Sampaio)

Ultimamente a coisa saiu de controle até na Paulicéia do Padre Anchieta

atualizado

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Reprodução- TV Cultura
Datena desfere uma cadeira em Pablo Marçal -- Metrópoles
1 de 1 Datena desfere uma cadeira em Pablo Marçal -- Metrópoles - Foto: Reprodução- TV Cultura

As eleições mudaram muito aqui na Terra da Santa Cruz. Como diria minha avó, “desse jeito, não há jeito que dê jeito”. Nascida na pequena cidade de Anadia, em 1898, Dona Zinha pouco pôde distinguir democracia nos seus quase cem anos de vida em Alagoas.

Por outro lado, testemunhou um bocado de cadeiradas (e outros desfechos mais dramáticos) nas eleições da sua época. Violência política não era raridade no Nordeste dos coronéis. Queimadas também eram comuns na Zona da Mata alagoana, no plantio ou na colheita da cana-de-açúcar e do fumo.

Olha que Dona Zinha nem viveu para ler o novo livro “O fim do mundo é só o começo”, do estrategista geopolítico Peter Zeihan (2024). Mesmo assim, teve tempo de intuir uma conclusão incontornável, que recentemente virou sátira da banda pernambucana Quanta Ladeira: “Democracia é bom, mas dá um trabalho arretado”.

Acontece que ultimamente a coisa saiu de controle até na Paulicéia do Padre Anchieta. Não bastassem as sete pragas do Egito que vinham assolando a cidade – calor em níveis recordes, qualidade do ar insuportável, incêndios criminosos e o rio Pinheiros ficando verde – nos últimos dias, o clima esquentou de vez foi na campanha eleitoral.

É bem verdade que a imprensa até vinha dando uma folga merecida à paciência do eleitor paulistano, desviando as câmeras para o Paraná, onde um candidato a vereador chamado (acreditem) Geleia Patriota fazia campanha, mesmo procurado por participar da barafunda do ‘8 de janeiro’.

Contudo, foi entre Datena e Marçal que a eleição virou geleia pra valer. Se estivesse viva, Dona Zinha teria desabafado que “a situação ficou de vaca não reconhecer bezerro”. Pela primeira vez na história os espectadores, mais extasiados que estarrecidos, assistiram ao vivo pela televisão e on line pelas redes digitais a um candidato meter uma cadeirada no outro. O ambiente tecnológico, admitamos, até que foi bem moderno (descontado, é claro, o surto paleolítico propriamente dito).

Por ironia do acaso, a coisa toda se passou justamente no canal de TV chamado Cultura. No dia seguinte, no G1, o cientista político Carlos Melo foi certeiro ao atribuir dimensão de fenômeno social ao ocorrido: “há uma nova estética política da violência […] retroagimos um século no ambiente civilizatório e político”. Melo acrescenta ainda uma hipótese preocupante, de que o eleitor desencantado com o Estado passe a enxergar a política como um show de entretenimento, no qual uma cadeirada nos faz rir, como aquelas brigas de palhaços num circo.

Tal ideia vem perigosamente somar-se ao pensamento do estadista americano Henry Kissinger (Liderança, 2023), que alertava para “uma degradação na formação, cada vez mais tecnicista e burocratizante, da sociedade civil, dos gestores públicos e, por conseguinte, das lideranças políticas”.

Completando com as palavras de Peter Zeihan, “Começamos uma descida preguiçosa ao populismo narcisista. O histórico das eleições recentes […] não é uma distorção, mas, sim, uma tendência de desinteresse no mundo em geral”.

Trocando em miúdos, quando a dança democrática das cadeiras cede lugar ao seu arremesso e achamos a cena engraçada, quem dança mesmo é a perspectiva de se consolidar o Estado de direito e o desenvolvimento sustentável. Enquanto nos divertimos, seguimos carbonizando o futuro.

 

Felipe Sampaio: cofundador do Centro Soberania e Clima; membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; chefiou a assessoria do ministro da Defesa; dirigiu o sistema de estatísticas no ministério da Justiça; foi secretário-executivo de segurança urbana do Recife; ocupa a chefia de gabinete da secretaria-executiva no Ministério da Microempresa.

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