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Educar, trabalhar, poupar e investir (por Gustavo Krause)

De fato, a escravidão trocou a chibata do “senhor” pela servidão à ignorância

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Seu Tiago do Armazém era um próspero comerciante, em Vitória de Santo Antão, amigo de meu pai que na pré-adolescência (final dos anos 50 e início da década de 60) vim a conhecer, bisbilhotando suas frequentes conversas. Como menino não se metia em conversa de gente grande, eu disfarçava minha curiosidade, com qualquer brincadeira da época (pião, bola de gude, jogo de botão) que não desviasse a atenção da conversa dos amigos.

Meu pai não teve vida fácil. Tinha, porém, uma credencial: o diploma de cirurgião-dentista, liso, mas era “doutô”, título bem menos importante do que seu temperamento afável e solidário o que atraia um largo círculo de amizade. “Seu Tiago”, por sua vez, era um homem rico, tinha uma bela história de vida e muita sabedoria. Cerimonioso, mas não resistia, pelo menos uma vez por semana, ao bolo de bacia e ao café coado, servido por minha mãe que, até hoje, tem o sabor de saudade.

Conversa vai, conversa vem, fiquei sabendo a história do menino que, órfão de pai aos treze anos, arrimo de família, passou a ajudar no sustento da mãe costureira e dois irmãos menores. Desde o primeiro emprego, mostrou que era pau para toda obra. Fazia os “mandados” dos comerciantes do mercado de Vitória. Aprendia tudo como muita facilidade. Embalava, pesava e sempre que podia levava as compras até a casa do freguês, ou seja, fidelizou os fregueses, antecipando, em décadas, o que o capitalismo atual denomina de “delivery”.

Sustento garantido, havia chegado a hora de realizar o sonho interrompido: fazer à noite o curso de contabilidade. Antes de concluir o primeiro ano, tornou-se um autodidata e foi além das “partidas dobradas”: aprendeu a fazer bom uso do dinheiro.

Para encurtar a história, já um homem rico começou a diversificar solidamente seus negócios: comércio, agricultura, pecuária de corte e avicultura (era uma espécie de “holding caipira”). Certa vez, ouvi dizer a meu pai humildemente: “Doutô, nunca dei um passo maior do que as pernas, gasto controlado, juntava a sobra e botava em chão, parede e criação (investimentos). Meus filhos estão estudando, e muito, para entender que, em matéria de negócio, o que vale é muito trabalho e coragem para confiar no futuro. Tiago intuía as bases do que a ciência econômica denomina empreendedorismo.

Pois bem, colocada em perspectiva histórica, a experiência de um homem simples e bem-sucedido, expõe as razões da prosperidade das nações: educar muito, trabalhar muito, poupar muito e investir muito.

Com efeito, conjugação dos verbos desenvolvimentistas exige uma longa e complexa construção de sólidos pilares, a começar pelo sistema político, a democracia, que assegure o funcionamento de uma sociedade permeada pelas liberdades civis, políticas e assentadas em princípios e valores que respeitem o exercício de uma cidadania plena e responsável pelas escolhas e suas consequências.

Soma-se à dimensão política, a economia de mercado em ambiente de estabilidade, previsibilidade, livre concorrência, internacionalmente competitiva e favorável aos negócios com incentivos e que estimule, como afirmava Keynes, “o espírito animal” e disposição natural “para a ação, em vez da letargia” de modo a gerar uma cultura empreendedora e bancar com a poupança investimentos estruturadores e sustentáveis.

Ética pública, equidade social e sustentabilidade, também, se entrelaçam para dar consistência a um projeto nacional de prosperidade e, propositadamente, deixei o final para mencionar a questão educacional por um motivo simples: sem educação de qualidade, tudo o que se disser são palavras jogadas ao vento. Nada se constrói. O educacionista, como prefere ser identificado, Cristovam Buarque advoga um “ismo” libertador: “o educacionismo, visão moderna do abolicionismo que o torna vetor do progresso […] a educação de qualidade para todos” (A última trincheira da escravidão – Dez dias que não terminaram. Ed. Unipalmares).

De fato, a escravidão trocou a chibata do “senhor” pela servidão à ignorância. O Brasil não compreendeu a centralidade a educação como um nobre e indispensável fator de produção, o “capital humano” que faz a diferença.

A diferença está na remoção das camadas escravocratas (autoritarismo), patrimonialistas (captura do bem púbico pelo interesse privado), corporativistas (prevalência do poder das organizações profissionais sobre o poder político instituído para realizar o bem comum), camadas espessas que submetem a sociedade a uma atraso estrutural.

Somente a educação de qualidade, da base para o topo da pirâmide social pode criar um pensamento crítico, eliminar o analfabeto funcional e produzir cidadãos capazes de superar a pobreza, a armadilha da renda média e transformar nossas potencialidades numa sociedade próspera.

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