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Depois da explosão nuclear que foram as acusações de assédio desabadas sobre o, até então, distintíssimo ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, o Brasil entrou no modo “E se?”
E se o Lula não tivesse demitido?
E se (o Lula) fizesse assim ou assado?
E se tivesse esperado pra ele se defender?
E se a Anielle não tivesse esperado tanto?
E se Anielle tivesse resolvido de outro jeito?
E se ela tivesse resolvido só com um bom tapa na cara?
E se foi por uma disputa política?
E se a Janja não tivesse se metido?
E se eles todos não fossem neófitos em política?
E se ele fosse branco?
E se ela fosse branca?
E se ela não tivesse espalhado no entorno?
E se tivesse resolvido tudo direto com ele?
E se não tivesse tanta fofocagem?
E se o Me Too não tivesse atuado?
E se ele não achasse que, ministro de Estado, podia tudo?
E se não houvesse o tribunal da Internet?
E se foi um mal-entendido?
E se ele não fez?
O “e se” tem o indisfarçável sentido de passar pano pro acusado – acadêmico e intelectual respeitado, ministro admirado. Ao que tudo indica, lamentavelmente, também assediador.
Como se fosse possível apagar assédios, importunações, abusos. Não existiram se não revelados? Há um tempo certo para a vítima reagir? Há o modo certo de denunciar?
Dolorido assistir às tentativas de matar o mensageiro da desdita – no caso, a denunciante.
Aos costumes, à direita e à esquerda, às vezes sutil, às vezes não, há mais a desqualificação da vítima. É o habitual. Assim como é habitual o cinismo nos julgamentos. Há os que, ainda que sabidamente espancadores de mulher, mostram-se indignados com os denunciados assédios de figuras como Silvio Almeida.
Há os que, na cara de pau, se declaram “até simpatizante do movimento negro, mas…”. Simpatizante seria o que exatamente? O adversativo revela oposição à primeira afirmação.
Ah os adversativos!
São dias também de muitos “mas” nas argumentações ditas contra ou a favor.
E se o Brasil não fosse racista?
E se não fosse elitista?
E se não fosse misógino?
E se não fosse machista?
E se não fôssemos tão cínicos?
Tânia Fusco é jornalista