Dois caminhos errados (por Roberto Brant)
Do lado do Lula e do lado do Bolsonaro não se nota qualquer preocupação com as duas questões essenciais : economia e geopolítica
atualizado
Compartilhar notícia
As eleições que se aproximam estão sendo movidas quase que exclusivamente pelas paixões políticas, não deixando lugar sequer para um mínimo de competição entre ideias ou projetos. Estes parecem não fazer falta para animar as campanhas ou convencer os eleitores. É o verde contra o vermelho e não é preciso mais nada. As pessoas se reúnem em torno destes símbolos, sem se perguntar muito o seu alcance e o seu significado. Há quem diga, e não sem razão, que muitas vezes ser verde é mais odiar o vermelho do que amar o próprio verde. E vice-versa. No final será uma eleição , como disse alguém, em que a maioria vai votar contra e só uma minoria vai votar a favor.
Uma nação não se sustenta com esses sentimentos puramente negativos. Se continuar assim o país estará se encaminhando para uma encruzilhada existencial. Há dias David Brooks, um excelente colunista do New York Times, discorrendo sobre a complexidade do mundo contemporâneo, concluiu que o principal problema de qualquer sociedade é a ordem : a ordem moral, a legal e a social. Quando falta ordem as sociedades não tem como evoluir, e na verdade retrocedem. Eu acrescento que a ordem que faz evoluir uma sociedade é a ordem cuja fonte é o consentimento coletivo e não a que é imposta verticalmente por meio da autoridade e da força. O Brasil corre hoje o risco de tornar-se um conjunto social incapaz de produzir consensos por meio do compromisso político, uma vasta arena em que reinará apenas a obsessão de vencer, de destruir e de eliminar.
Se é verdade que este clima de paixão e de antagonismo reflete uma realidade mais profunda, que está encarnada no tecido social, os dois candidatos que disputam de fato a eleição, porque concentram a maioria do apoio popular, não tem feito nada para amenizar os conflitos e prometer algum tipo de pacificação no futuro.
A campanha do Presidente Bolsonaro optou por ocupar a agenda política com temas da religião, da moral e da cultura, questões que não se prestam à soluções próprias da política, constituidas pela negociação e pelo compromisso, em que cada lado cede uma parte para se chegar a um denominador comum. Estas questões são de caráter absoluto, dividem as pessoas de modo duradouro e não tem solução por meio da razão. Divisões religiosas e culturais tem sido a maldição de alguns povos, separando irmãos e até derramando sangue inocente. A história nos livrou por séculos desta maldição e cabe agora a nós impedir que ela venha se instalar entre nós.
Do outro lado do campo político, a candidatura do ex-presidente Lula tem como meta principal reconstituir o passado, prometendo voltar aos tempos idílicos dos governos do PT, revogando as mudanças legais implantadas após a interrupção do governo Dilma. A interpretação dos fatos sociais e econômicos está sempre exposta à controvérsias, mas é impossível negar que de 2014 a 2016 o Brasil viveu um verdadeiro desastre, com a maior recessão acumulada de nossa história, com o descontrole da inflação e um grave desarranjo fiscal, tudo isto claramente provocado por erros do governo. O governo Temer foi um periodo de reconstrução do Estado e das empresas públicas e de reformas importantes, cujos efeitos são inequívocamente positivos. Revogar o que foi feito não é um programa para o futuro, mas um movimento francamente reacionário.
De um lado e de outro da luta política não se nota qualquer preocupação com as duas questões essenciais : como voltar a crescer a economia à taxas suficientes para diminuir a pobreza e melhorar o padrão de vida da maioria dos brasileiros e como preparar o país para aproveitar as novas mudanças geopolíticas que estão em marcha e que abrem inesperadamente oportunidades para a reindustrialização do Brasil e sua inserção mais profunda na economia do Ocidente.
Enquanto as oportunidades passam, o debate político pobre e míope impede nosso país de aproveitá-las. Isto nos lembra com tristeza o vaticínio do velho Roberto Campos: o Brasil não perde a oportunidade de perder uma oportunidade.
Roberto Brant é ex-ministro da Previdência Social e escreve no Capital Político