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Dignidade humana depende da natureza digna (por Eduardo Fernandez)

A lógica da política dificulta pensar além de quatro anos – quando muito! –  o que compromete o futuro das próximas gerações

atualizado

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Contraluz de pessoa em situação de rua próximo ao Congresso Nacional
1 de 1 Contraluz de pessoa em situação de rua próximo ao Congresso Nacional - Foto: Igo Estrela/Metrópoles

Qualquer que seja a definição de “dignidade”, é óbvio que para os humanos viverem vidas dignas há que se manter a natureza saudável, viçosa, digna. Degradando-a, degradamo-nos. Mas a dependência não é recíproca: desaparecendo os humanos, a natureza seguirá seu curso.

Uma série chamada “O mundo sem nós”, no History Channel, mostra como a natureza seguirá, sem os humanos, recuperando progressivamente os espaços que nós lhe tomamos: cidades, estradas, represas, pontes…

A série explora a ideia de desaparecimento súbito dos humanos. Mas, salvo grande reviravolta no curso da história, o mais provável é o lento desaparecimento dos humanos, com número crescente de vítimas dos desastres que se dizia serem naturais, mas que cada vez mais, sabemos, decorrem de ações humanas. Desaparecer lentamente amplia a possibilidade de alguns humanos culparem outros por seu sofrimento, gerando mais ódio e suas nefastas consequências.

O futuro que queremos para nossos filhos, netos e bisnetos não é esse, progressivamente sem nós e também sem eles. Sem futuro ou, mesmo, um futuro de crescentes conflitos. Queremos que eles vivam vidas saudáveis, assim como seus filhos, netos, bisnetos, trinetos e descendentes. Legar essa possibilidade aos que virão depois de nós exige pensarmos 100 anos adiante e, ao mesmo tempo, para que nós, nossos pais, irmãos e amigos tenhamos vidas saudáveis temos que pensar no aqui e agora, orientando nossas decisões com tal amplitude temporal, hoje, amanhã e daqui a um século!

A lógica da política dificulta pensar além de quatro anos – quando muito! –  o que compromete o futuro das próximas gerações e, cada vez mais, também o nosso. Por outro lado, a lógica do eleitor – que é cidadão ou cidadã, mãe ou pai e avô ou avó – , exige pensar no curto e no longo prazo. No entanto, os políticos não oferecem tal possibilidade, presos que estão na busca de seus interesses eleitoreiros. Como superar essa deficiência da democracia?

Não se trata de pleitear uma nova Constituinte, ou o voto distrital, puro ou misto, ou o desconhecido semipresidencialismo, ou o parlamentarismo ou seja o que for. Todos esses pleitos carecem de objetividade e cada um deles comporta interpretações as mais diversas, contraditórias até.

O avanço da democracia, essencial para construir a dignidade dos humanos e recuperar o viço da natureza, depende de objetivos bem mais concretos, precisos, que as pessoas percebam como válidos, desejáveis para o seu dia a dia e pelos quais valha a pena se esforçar. Objetivos que sejam ambiciosos mas factíveis, gerais e locais, e que as pessoas sintam que suas vidas melhoram conforme se avança rumo a alcançá-los. Um longo caminho começa com os primeiros passos.

Carecemos de agentes que transformem esse desafio em propostas claras e mobilizadoras. Surgindo tais propostas, começaremos uma profunda e há muito necessária e desejável reforma política democratizante.

 

Eduardo Fernandez Silva. Ex-Diretor da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados

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