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Deserto de ideias (por Marcos Magalhães)

Até o momento, Bolsonaro e seus principais opositores se esquivam de apresentar propostas

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Fotos justapostas do presidente Jair Bolsonaro (esquerda) e do pré-candidato à presidência Lula (direita) - Metrópoles
1 de 1 Fotos justapostas do presidente Jair Bolsonaro (esquerda) e do pré-candidato à presidência Lula (direita) - Metrópoles - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Ao escolher o “local exato” onde há quatro anos levou uma facada para dar início à sua campanha pela reeleição, o presidente Jair Bolsonaro mostrou que pretende fazer da emoção o ponto forte da campanha que começa nesta terça-feira.

Ele e seus mais fundamentalistas aliados pretendem recorrer a imagens como a travessia do deserto e a luta do bem contra o mal para comover corações desavisados. Um olhar mais atento, porém, indicará que o principal deserto dessa campanha eleitoral promete ser o deserto de ideias.

Até o momento, Bolsonaro e seus principais opositores – com a possível exceção de Ciro Gomes, que há um ano lançou um livro sobre seu plano nacional de desenvolvimento – esquivam-se de apresentar ideias claras sobre como pretendem conduzir um país duramente afetado pela pandemia e por graves dificuldades econômicas e sociais.

O governo tem agido sob a única orientação de sua bússola eleitoral. O Auxílio Brasil, que já nasceu com prazo de validade, soa como sofisticada reedição da antiga compra de votos. E, quando o país parou para ouvir o manifesto pela democracia na Faculdade de Direito de São Paulo, o presidente citou a redução do preço da gasolina como o principal fato do dia.

Por sua vez, o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva pede aos agentes econômicos um voto de confiança que leve em conta o que fez em suas duas gestões. Não apresenta detalhes de suas propostas econômicas e indica apenas que pretende priorizar o combate à fome e ao desemprego.

A situação social, de fato, é tão grave que merece a mais alta prioridade. Além disso, as críticas feitas por Bolsonaro ao sistema eleitoral levantam dúvidas igualmente urgentes sobre a aceitação, pelo presidente, de resultados desfavoráveis nas urnas. Vivemos, portanto, sob duas urgências que drenam, até aqui, as atenções dos principais atores políticos.

Enquanto isso, porém, o mundo se move. Os riscos reais da mudança climática e os efeitos devastadores sobre a economia de eventos como a pandemia e a invasão da Ucrânia levaram diversos governos – principalmente na América do Norte e na Europa – a recalcular as suas rotas para os próximos anos.

As ameaças são palpáveis. A recessão e a inflação voltaram a ser ameaças em todo o mundo. A produção e a distribuição de alimentos têm sido afetadas por fatores como a falta de fertilizantes e o bloqueio à exportação de grãos produzidos pela Ucrânia. O verão inclemente no Hemisfério Norte acende alertas sobre os efeitos do aquecimento global.

Além disso, as manobras militares da China em resposta à visita a Taiwan da presidente da Câmara de Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, indicam o risco da dependência de quase todo o mundo do fornecimento de semicondutores produzidos na ilha que é chamada de “província rebelde” pelas autoridades de Pequim.

Algumas respostas a esses tantos desafios foram apresentadas nos últimos dias em Washington. O Congresso Nacional dos Estados Unidos aprovou dois projetos destinados a reduzir os danos provocados pela atual coleção de crises.

O primeiro deles traz de volta à realidade norte-americana uma política industrial. O presidente Joe Biden sancionou há uma semana o projeto de lei que garante subsídios de US$ 52 bilhões para a indústria de semicondutores, inaugurando o que o jornal Washington Post chamou de “um dos maiores programas de desenvolvimento” já adotados pelo governo americano.

A nova lei deverá permitir a construção de pelo menos seis fábricas de chips nos Estados Unidos, para garantir a oferta desses componentes tão importantes à indústria que passaram a ser vistos como essenciais à segurança nacional.

A mesma lei autoriza apoio federal calculado na casa de dezenas de bilhões de dólares à pesquisa e ao desenvolvimento de novas tecnologias, capazes – segundo a proposta do governo – de levar a grandes inovações em áreas como computação quântica e inteligência artificial.

O segundo projeto aprovado estimula a chamada transição energética, como forma de, ao mesmo tempo, reduzir os efeitos da mudança climática e gerar novos empregos. A “Lei de Redução da Inflação” vai permitir o maior investimento em ações climáticas da história dos Estados Unidos.

Serão US$ 370 bilhões ao longo da próxima década para estimular a produção de energias renováveis e reduzir as emissões de gases do efeito estufa. A nova lei permitirá redução em 40% das emissões desses gases até 2030, quando comparadas a 2005. Antes da lei a previsão era de redução de 30%.

Entre as medidas previstas está a abertura de um “banco verde”, com recursos de US$ 27 bilhões, para financiar a implantação de tecnologias limpas como painéis solares residenciais e novas fábricas de carros elétricos.

A nova lei ainda tornará mais competitiva a produção, nos Estados Unidos, de hidrogênio verde, um combustível produzido a partir de energias como a solar e a eólica, que poderá, no futuro, movimentar carros, aviões e indústrias. Ao estabelecer créditos tributários para a nova indústria, a medida permitirá ao país produzir o hidrogênio verde mais barato do mundo.

Após analisar esses números, caberia a pergunta: o que tudo isso tem a ver com a campanha eleitoral que começa nesta semana? A resposta está na falta de foco dos principais integrantes do meio político brasileiro. Uma falta de visão estratégica e de percepção das transformações que estão ocorrendo no mundo.

É verdade que as eleições de outubro ocorrerão em um ambiente quase distópico, no qual algumas das principais preocupações são a própria realização das eleições e o reconhecimento de seus resultados.

Também é verdade que o Brasil enfrenta uma duríssima crise econômica e social que exige respostas rápidas. E que o país está a anos luz das possibilidades orçamentárias dos Estados Unidos.

Estímulos de dezenas de bilhões de dólares a uma nova política industrial e a ações de redução da mudança climática estão, de fato, longe da realidade de um país que ainda convive com as pequenezas do orçamento secreto.

Nada disso impede, porém, que as novas lideranças brasileiras se dediquem à construção, dentro das possibilidades nacionais, de um novo modelo econômico, social e ambiental. Um novo tipo de desenvolvimento, mais próximo das necessidades deste início de século. Inspirado em ideias que irriguem o nosso atual deserto.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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