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Desarmamento nuclear: a voz do Brasil (por Cristovam Buarque)

Ainda que a bomba só tenha sido usada duas vezes, pelos Estados Unidos, em 1945, sua simples existência é prova de estupidez

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Hiroshima
1 de 1 Hiroshima - Foto: Reprodução

A Ucrânia faz lembrar os dias de outubro de 1962 em que olhávamos para os céus querendo saber se Estados Unidos e União Soviética haviam iniciado a guerra nuclear. O mundo temia que isto acontecesse, devido a reação dos norte-americanos contra a existência de foguetes russos em Cuba. Trinta anos depois, o mundo respirou aliviado quando o fim da União Soviética terminou com as razões para a guerra nuclear em escala mundial. Um engano, porque este risco sempre existirá enquanto a tecnologia for capaz de fazer as bombas e a política foi capaz de usá-la. Sessenta anos depois, a história se repete, mudando apenas o fato que, em vez de Cuba cercada pelos Estados Unidos, contra a União Soviética, agora é a Ucrânia cercada pela Rússia, contra foguetes dos Estados Unidos/OTAN. O risco é o mesmo: algum dirigente apertar o botão da guerra nuclear.

No começo dos anos 1960, um escritor húngaro de nome Arthur Koestler levantou a ideia de que o ser humano é um animal suicida: com uma inteligência capaz de fazer bomba atômica e uma moral capaz de usá-la, se autodestruindo, mesmo quando atinge o adversário. Segundo ele, o cérebro humano carrega um defeito de fabricação: de um lado a lógica da ciência e da engenharia, de outro a moral da guerra e da destruição.

Ainda que a bomba só tenha sido usada duas vezes, pelos Estados Unidos, em 1945, sua simples existência é prova de estupidez: se for para usá-la é suicídio, se for apenas para assustar é burrice. Até porque se ela existir, um dia será usada por um dos países que já dispõem dela ou dos muitos que nas próximas décadas vão dispor, ou por mãos privadas de terroristas ou chantagistas nucleares. Em um tempo em que viagem espacial já é promovida por empresas, tudo indica que em breve as bombas atômicas estarão disseminadas. Imaginar o fim de todas as guerras é uma crença exagerada na qualidade moral dos seres humanos, divididos em nações, tribos, clãs, famílias, indivíduos em permanente disputa pelo enriquecimento. A única saída para o ser humano desmentir Koestler é abolir bombas nucleares: promover um radical desarmamento de todas as bombas atômicas. Este desarmamento faz sentido lógico porque a bomba atômica ameaça a própria nação que a dispõe.

Neste momento em que outra vez se repete o risco de uma hecatombe, o Brasil deveria defender o desarmamento nuclear irrestrito: todas as bombas nos países que já dispõem delas e todos que se propõem a construir novas. Talvez este propósito seja impossível porque nenhum dos países nucleares vai querer abrir mão de suas armas e talvez seja impossível impedir novos países, empresas, famílias, grupos capazes de fazê-las no futuro, mas a defesa do desarmamento nuclear seria demonstração de força moral na tentativa de barrar a insensatez.

O Brasil daria prova de liderança humanista. Temos a ciência, a dimensão e a economia para sermos um país nuclear e abrimos mão deste poder, temos moral para sugerir isto ao mundo. A volta do risco na Ucrânia é o momento para o Brasil levantar esta voz. Difícil imaginar o atual governo com autoridade e vontade para propor desarmamento, mas os candidatos à presidência, já em campanha, poderiam verbalizar esta proposta do Brasil para o mundo, tomando-a como compromisso de política externa a partir de 2023.

Cristovam Buarque foi senador, ministro e governador

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