Democracia e ambiente atraem aliados para Lula (por Marcos Magalhães)
Antes da chegada ao poder de Jair Bolsonaro, a democracia simplesmente não era um tema do debate eleitoral
atualizado
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A grande maioria dos eleitores brasileiros passa longe das notícias internacionais, mas duas questões de natureza global ajudam a redesenhar o radicalizado quadro político brasileiro, a três semanas do segundo turno das eleições presidenciais.
A primeira delas é a questão democrática. Movimentos populistas autoritários à esquerda e à direita – da Nicarágua à Hungria – estão testando limites em diversas partes do mundo. A segunda é a questão ambiental. As ameaças à vida – pelas mudanças climáticas e pela perda de biodiversidade – estão presentes em todo o planeta.
Como o Brasil deve se colocar diante desses dois desafios? As diferentes – ou quase antagônicas – respostas a essa pergunta estão muito ligadas às opções de voto no segundo turno.
Antes da chegada ao poder de Jair Bolsonaro, a democracia simplesmente não era um tema do debate eleitoral. O regime vigente desde a Constituição de 1988 sempre foi tido como um pressuposto, uma base quase invisível sobre a qual se desenvolviam as disputas políticas.
As urnas eletrônicas eram até então uma unanimidade, um orgulho nacional. Os resultados eleitorais eram plenamente respeitados – com a exceção do pedido de auditoria da votação em segundo turno de 2014 feito pelo então candidato derrotado Aécio Neves.
Essa quase rotina democrática começou a ser rompida com as frequentes ameaças feitas por Bolsonaro de não respeitar resultados eleitorais – a não ser que as eleições fossem “limpas” – e discursos como o feito em 2020 pelo presidente diante do Quartel General do Exército.
Excessos
Os novos e velhos aliados de Bolsonaro preferem ver nessas ameaças apenas excessos de retórica. É o caso do governador reeleito de Minas Gerais, Romeu Zema, que disse concordar com 70% das propostas do presidente e identificou riscos do lado oposto.
“O Brasil vai perder muito e Minas Gerais vai perder também”, afirmou Zema ao jornal Valor Econômico, ao ser questionado sobre a possível vitória de Luís Inácio Lula da Silva. “Ele quer desfazer as reformas realizadas e acredita em regimes como os de Cuba e Nicarágua”.
A menção aos dois países latino-americanos é frequente nos discursos do próprio Bolsonaro. O presidente gosta de motivar seus eleitores repetindo a ameaça de que Lula poderia vir a adotar no Brasil práticas autoritárias semelhantes às usadas pelos governos de Cuba e Nicarágua.
Lula poderia, de fato, ser mais incisivo em suas observações sobre as condutas autoritárias nos dois países. Mas, longe dos microfones, nem seus adversários acreditam, de verdade, que em novo mandato o ex-presidente venha a repetir por aqui práticas de Havana e Manágua.
Alguns de seus atuais adversários usarão o argumento até o fim – até para deixar em segundo plano ameaças à democracia feitas pelo próprio Bolsonaro e por seus seguidores.
A independência dos três Poderes, por exemplo, parece correr risco no caso de um segundo mandato do atual presidente. Uma de suas propostas é o aumento do número de vagas do Supremo Tribunal Federal, como forma de ampliar a sua influência na corte.
Aproximação
Por outro lado, alguns dos antigos adversários de Lula se aproximaram dele exatamente para se opor ao risco autoritário que identificam em Bolsonaro. Ou seja, o risco da reeleição do atual presidente produziu um até então inédito redesenho político.
Apenas quatro dias depois do primeiro turno das eleições, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – cujo PSDB travou diversas disputas eleitorais com o PT – anunciou seu apoio no segundo turno a Lula, “por sua história de luta pela democracia e pela inclusão social”.
Na mesma semana, quatro economistas que estiveram à frente do Plano Real – Pedro Malan, Armínio Fraga, Edmar Bacha e Pérsio Arida – divulgaram nota de apoio a Lula, com a expectativa de uma “condução responsável da economia” em possível novo mandato.
E por que vieram a apoiar o antigo adversário? A resposta está em artigo publicado por Malan no Estado de S. Paulo: “Em boa parte pelo sentimento de que mais quatro anos de Bolsonaro representariam importante risco político-institucional, uma ameaça real de erosão dos mecanismos de pesos e contrapesos, filtros e freios da democracia no País”.
A declaração vem acompanhada de uma recomendação. “Se vitorioso”, escreveu Malan, Lula “terá uma responsabilidade histórica: tentar unir um país profundamente dividido”.
Meio Ambiente
Essa divisão se reflete também na segunda questão global mencionada anteriormente: a ambiental. Enquanto Bolsonaro e seus aliados optam pelo discurso nacionalista contra o que consideram ingerências externas, Lula e seus antigos e novos apoiadores sinalizam a adoção de medidas contra o desmatamento ilegal e de estímulos ao desenvolvimento sustentável.
Um dos novos aliados do ex-presidente é o empresário Guilherme Leal, cofundador da Natura, que já foi candidato a vice-presidente na chapa de Marina Silva em 2010 e que apoiou a candidatura de Simone Tebet no primeiro turno.
Para o empresário, um possível segundo mandato de Bolsonaro representaria um risco para a democracia brasileira. O atual governo, observou, promoveu “desmanche institucional” do Ibama e dos órgãos que deveriam zelar pela proteção do meio ambiente. Embora recorde suas divergências com Lula, ele demonstrou esperança no ex-presidente.
Segundo Leal, o Brasil pode vir a ser protagonista nos próximos anos em um mundo instável. E Lula poderá entrar para a história pelas opções que vier a tomar em possível novo governo.
“Se ele não fizer por convicção, o fará por inteligência política”, observou Leal em entrevista ao Estado de S. Paulo. “É algo que eu não acredito que possa acontecer com o atual presidente: tornar o Brasil o maior provedor de alimentos, de serviços ambientais e uma liderança na transição para a economia de baixo carbono”.
Ou seja, mesmo em um mundo afetado pela guerra na Ucrânia, mesmo em um cenário internacional onde se multiplicam tentativas de erodir a democracia, mesmo diante das evidências da mudança climática, existem alternativas disponíveis.
A resposta virá das urnas. Até aqui, já é certo que a defesa das instituições democráticas e do meio ambiente ajudou a unir atores políticos que andavam distantes.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.