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Defesa, Forças Armadas e o novo governo (por Raul Jungmann)

O fato é que os militares, juntamente com os demais poderes e a sociedade civil, foram responsáveis pela continuidade do estado democrático

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Militares já deixaram a Esplanada dos Ministérios
1 de 1 Militares já deixaram a Esplanada dos Ministérios - Foto: Michael Melo/Metrópoles

Durante quatro anos  a opinião pública do país viveu assombrada pela perspectiva de um golpe, a ser desferido pelas Forças Armadas (FFAAs), sob liderança do Presidente Bolsonaro, o que afinal não aconteceu. Não foram poucas as vezes que vimos a público contestar esse desfecho e afirmar, em dezenas de lives, calls, artigos e entrevistas, que tal hipótese não iria se concretizar.

Primeiro, porque inexistiam condições externas e internas para tal, ao contrário do que se passara em 64; não se teria apoio no empresariado, classes médias, igrejas, mídia e (parte) do poder político. Idem, externamente os sinais emitidos pelos Estados Unidos e comunidade internacional eram contundentemente contrários a uma aventura golpista. De parte das FFAAs, além de uma percepção do cenário interno e externo adverso, as demissões do Ministro da Defesa e dos comandantes da Marinha, Exército e Aeronáutica, evidenciavam a não adesão das Forças ao autogolpe, mas o  seu contrário, sua resistência a rasgar a Constituição. Na base das “ondas” de mais ou menos tensão com a hipótese golpista que enfrentamos, estava um desconhecimento da mídia e sociedade do ethos militar.

Quem fala pelos militares é a cúpula da Força, nomeadamente seu comandante e, por delegação deste, um oficial da ativa. Porém, como existiam vários militares, generais da reserva, em opostos no alto escalão do governo, suas falas eram interpretadas como emanaçãoes da Forças, o que era, e permanece sendo, um erro, pois militares da reserva não falam pelas instituições a que pertencem. Essa percepção era exacerbada pelo comportamento, atitudes e falas do Presidente, que também é o comandante em chefe das Forças, ao atribuir-se a propriedade delas, a elas se referindo como as “minhas forças armadas”, e pelo elevado número de militares em cargos ministeriais ou secundários na estrutura de governo.

O fato é que os militares, juntamente com os demais poderes e a sociedade civil, foram responsáveis pela continuidade do estado democrático de direito em nosso pais, algo que é pouco reconhecido   por larga margem dos formadores de opinião e mídia. Desconhecimento que foi agravado pelas recentes manifestações em frente aos quartéis, a antecipação da troca de comandos da Forças, o  papel desempenhado na Comissão de Transparência Eleitoral e falas de alguns membros de alto comando.

Porém, enquanto instituições, as FFAAs permaneceram estritamente dentro do papel  que lhes reserva a Carta de 88. Caso contrário, talvez não estivéssemos assistindo a posse de um presidente eleito de oposição. Visando a que  o governo que assume e seguintes não venham a conviver com novas paranoias oriundas da opinião pública versus as FFAAs, tenho sugerido quatro medidas, a serem objeto de um diálogo e negociação entre governo, militares e Congresso.

Primeiramente, a fixação de áreas passíveis de participação de militares no governo federal, quais sejam: nuclear, espacial,  segurança cibernética e segurança pessoal do Presidente da República e Vice-Presidente. Outra, seria o estabelecimento de uma quarentena de um ano para agentes de Estado que viessem a participar de eleições e o seu afastamento definitivo da corporação a que pertencem, na hipótese de virem a ser eleitos ou não.

A terceira das sugestões, seria a realização de concursos, nunca deferidos, para especialistas civis na área da defesa nacional. E, por fim, a criação de uma comissão mista permanente do Congresso Nacional exclusivamente para tratar da política e da estratégia nacional de defesa, deixando os demais temas afetos aos militares para as comissões afins já existentes no âmbito da Câmara e Senado. Isto porque, o mais importante no que diz respeito aos militares, seria superar a atual abulia e descompromisso do poder político e do Congresso Nacional para com a Defesa Nacional e as FFAAs que subtrai  daquela e destes o rumo e orientações indispensáveis, que apenas os representantes da Nação podem lhes dar, via diálogo e liderança.

 

Raul Jungmann foi ministro da Defesa 

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