Sigo com atenção e necessário ceticismo – recomendados ao exercício da profissão , os movimentos nestes nervosos e sempre complicados dias de abril, no espaço da viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à China, destravada esta semana, nos domínios políticos, econômicos e estratégicos imperiais de Xi Jinping, que além de ter recebido o colega dos BRICs com honras e pompas no Palácio do Povo, em Pequim (onde os dois assinaram 15 acordos), se revela espécime exemplar da zona de sonhos do Partido dos Trabalhadores para o Brasil, a deduzir pelas palavras recentes do ex-ministro José Dirceu, ao prevê pelo menos mais 12 anos de mando petista à frente da República no país.

Depois de recuperado da pneumonia que o fez cancelar o primeiro embarque, Lula seguiu viagem dia 11 de abril. Muita coisa, nisso tudo, lembra o episódio histórico da política nacional e mundial, no fim dos Anos 60, quando eu me encontrava preso pela ditadura, em cela do Quartel do 19 BC, do Exército, em Salvador, com mais 12 pessoas, entre colegas da UFBA – algemados dentro da sala de aula da Faculdade de Direito, invadida pela PF, com seu comandante no estado à frente, em plena fúria do pós-AI-5. Refiro-me, em especial, ao Congresso do Partido Comunista Chinês – então influente até na França, dos filmes de Goddard e Malle – na China pós-revolução cultural do presidente Mao Tsetung e suas incendiárias brigadas vermelhas, inflam adas por madame Mao, uma das mais poderosas mulheres daqueles anos para não esquecer. Tão insólitos que conseguimos fazer entrar, no quartel do 19 BC, um rádio de pilha de longo alcance, para ouvir a abertura do encontro do PC chinês, com palavra de ordem para o planeta inteiro, tirada do livrinho vermelho do pensamento de Mao: “No dia em que um bilhão de chineses baterem o pé, ao mesmo tempo, a terra vai tremer”.

E a hipnose, – como classificava o psicanalista Nerival Barros, ex-prefeito de Ilhéus e um dos presos comigo, – da propaganda ideológica chinesa, em seu avanço de dominação política, econômica, cultural e de comunicação, parece ter feito o tempo parar, até estes dias pirotécnicos do terceiro mandato presidencial de Lula. É esta a sensação do rodado jornalista ao acompanhar fatos da visita do presidente e sua comitiva ao gigante asiático, agora segunda nação mais poderosa da terra. Boa parte dos viajantes por lá há quase duas semanas. Basta citar o caso do governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, que se desbandeirou para Pequim, mais de 10 dias antes do presidente e seguiu por lá, agora encaixa do na comitiva oficial, graças ao ministro chefe da Casa Civil, Rui Costa, que o incluiu na agenda presidencial com Wang Chuanfu, CEO da BYD, montadora chinesa de veículos elétricos que negocia vinda para o Brasil, onde curaria a ferida industrial, econômica e social, aberta com o encerramento das atividades da Ford em Camaçari.

Ao lado disso, resta a ponte sobre a Baia de Todos os Santos, ligando Salvador à Ilha de Itaparica, que o escritor João Ubaldo Ribeiro, autor de “Viva o Povo Brasileiro”, combateu e denunciou como embuste eleitoreiro de governantes, políticos e negociantes, em seus arranjos locais. Mas prioridade, nas negociações de acordos na China, do atual gestor. Projeto de R$ 7 bi, que já engoliu R$ 40 milhões só em croquis de detalhamento, sem que ainda se saiba onde ficará a cabeceira do “mostrengo”, no dizer de João Ubaldo. O resto a conferir.

 

Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail: vitors.h@uol.com.br