De “cabeça erguida” em Dubai (por Marcos Magalhães)
Nenhum país deixará os combustíveis fósseis de um ano para outro, mesmo diante dos graves riscos de sua utilização para o futuro
atualizado
Compartilhar notícia
A delegação brasileira chegará na quinta-feira (30) de “cabeça erguida” à abertura da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP 28), segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. É um bom começo, depois de quatro anos de negacionismo. Mas ainda há um longo caminho a percorrer, tanto para o Brasil como para o mundo.
Os números mais recentes darão as boas-vindas ao presidente Luís Inácio Lula da Silva em Dubai, sede do encontro. Em seu primeiro ano de governo, observou-se a queda de 49% no desmatamento da Amazônia, principal fator das emissões brasileiras de gases do efeito estufa.
E permanece como meta do novo governo brasileiro a taxa zero de desmatamento em 2030. O que abre espaço político para que Lula venha a propor, na conferência, o estabelecimento de um mecanismo global de financiamento para países que preservem suas florestas.
Se as florestas prestam serviços ambientais a todo o planeta, como observam os articuladores da proposta, nada mais justo que os países responsáveis pela manutenção dessas florestas sejam remunerados por isso. Provavelmente por contribuições voluntárias.
A proteção das florestas tem papel importante na tarefa, indicada pelo Acordo de Paris, de evitar que a temperatura global suba mais do que 2 graus centígrados em comparação à que se registrava no planeta antes da Revolução Industrial. Ou 1,5 grau, de preferência.
Mas boa parte das emissões que poderão levar a um grande desequilíbrio climático está ligada ao consumo de combustíveis fósseis. Os hidrocarbonetos do petróleo, do gás natural e do carvão são os principais causadores do efeito estufa.
Ao se acumularem na atmosfera, os gases provenientes da queima desses produtos impedem que parte da radiação solar escape para o espaço, o que aumenta a temperatura do planeta e ajuda a provocar os eventos extremos a que estamos nos habituando cada vez mais.
Por ironia, os Emirados Árabes Unidos, que recebem a conferência, desenvolvem atualmente um plano para aumentar a sua produção de petróleo. O país pretende produzir cinco milhões de barris por dia até 2025.
Segundo documentos obtidos por jornalistas independentes do Centre for Climate Reporting, em conjunto com a rede britânica BBC, os Emirados Árabes planejaram aproveitar a oportunidade da conferência para fechar negócios com outros países sobre petróleo e gás.
Um dos possíveis negócios seria entre uma empresa estatal do país e a China, para avaliação conjunta de oportunidades de produção de gás natural liquefeito em países como Moçambique, Canadá e Austrália.
Mesmo países emergentes, como a Índia, ainda parecem destinados a uma longa convivência com combustíveis fósseis. O país pretende triplicar a produção de carvão em minas subterrâneas até 2028.
Após anunciar um plano para triplicar a produção de combustíveis renováveis até 2030, o governo indiano admitiu, segundo o jornal inglês Financial Times, que o consumo de carvão no mesmo período passará de 1 bilhão para 1,5 bilhão de tonelada por ano.
Ou seja, o mundo mais uma vez se perguntará, em Dubai, como atender à crescente demanda por energia sem provocar ainda maior risco de alteração quase definitiva no clima do planeta.
O debate vai chegar também ao Brasil, a partir do anúncio dos planos de investimento do novo governo e, especialmente, da Petrobrás. A produção de petróleo e gás é responsável por boa parte dos investimentos previstos na nova versão do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).
O capítulo mais delicado desse plano é o que prevê produção de petróleo a 400 quilômetros da Foz do Amazonas, em frente ao estado do Amapá.
A ala chamada “desenvolvimentista” do governo defende a produção, apesar dos riscos ambientais notórios. Mas a pesquisa do potencial produtivo da região ainda depende de aprovação dos órgãos ambientais.
Até aqui, ao reduzir o desmatamento da Amazônia e liderar um grupo de países tropicais ao sugerir a criação de um fundo para beneficiar as nações que protejam suas florestas, o Brasil vai aos poucos reconquistando sua liderança global na área ambiental.
Esses valiosos ativos, porém, podem ser colocados em risco no caso de uma significativa opção pelo aumento da produção de combustíveis fósseis. Valeria a pena?
Segundo os argumentos mais nacionalistas, que acompanharam a gestão Jair Bolsonaro e que parecem contagiar a “ala desenvolvimentista”, o Brasil não poderia abrir mão de suas riquezas. Ainda mais quando se multiplicam pelo mundo projetos de ampliação de produção de combustíveis fósseis.
O argumento ambientalista sugere que se volte o olhar ao futuro. Em poucas décadas a era do petróleo terá terminado, e estarão na frente os países que estiverem bem-posicionados, desde já, nos projetos de produção de novos combustíveis renováveis – como o hidrogênio verde, feito a partir de energia eólica e solar.
Nenhum país deixará os combustíveis fósseis de um ano para outro, mesmo diante dos graves riscos de sua utilização para o futuro da vida no planeta. Mas será necessária muita sabedoria política – com visão de longo prazo – para planejar a melhor transição possível.
Essa sabedoria parece estar em falta no mundo, como poderá mais uma vez demonstrar a conferência de Dubai. E no Brasil? Vai depender muito de nossa capacidade de estabelecer mínimos consensos, mesmo em um período de permanente polarização.
Pode ser pedir demais às elites políticas, mas temas como meio ambiente e mudança climática poderiam inspirar debates mais informados e menos emocionais ao longo dos próximos anos.
A discussão global sobre o tema ainda vai passar por um período nebuloso. Algumas conclusões, porém, já estão claras.
Uma delas é que o Brasil tem vasto potencial para se transformar em grande fornecedor global de combustíveis limpos, de produtos florestais e de produtos agrícolas que respeitem o meio ambiente. Depende de nós mesmos.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.