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Dar à luz em Gaza “nos abrigos, casas, ruas, no meio de escombros”

O “ponto sem retorno” do sistema de saúde em Gaza faz com que muitas grávidas temam cesarianas sem anestesia

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Ashraf Amra/Anadolu via Getty Images
Imagem colorida mostra Pessoas feridas, incluindo crianças, são levadas ao Hospital dos Mártires de Al Aqsa, em Gaza - Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida mostra Pessoas feridas, incluindo crianças, são levadas ao Hospital dos Mártires de Al Aqsa, em Gaza - Metrópoles - Foto: Ashraf Amra/Anadolu via Getty Images

Por Maria João Guimarães

Cesarianas sem anestesia, alta médica ainda a sangrar, regressar a locais onde se pode usar uma casa de banho apenas duas vezes por dia, ter dois pedaços de pão para comer durante todo o dia: as grávidas na Faixa de Gaza, que serão cerca de 50 mil, estão especialmente vulneráveis à situação catastrófica do sistema de saúde, à falta de ajuda humanitária e ainda à sobrelotação dos locais considerados menos inseguros.

O aviso tem sido repetido por agências das Nações Unidas, que têm chamado a atenção para a terrível situação das grávidas no território, com uma média estimada de 180 mulheres a dar à luz por dia.

Entre as imagens de hospitais de Gaza está a de uma incubadora em que está um bebé que sobreviveu a um bombardeamento mas a mãe não (o caso é de 25 de Outubro, no Hospital Nasser, o bebé nasceu de cesariana e a mãe morreu pouco depois). O cirurgião plástico Ghassan Abu Sitta, que deixou o seu consultório em Londres para estar em Gaza, diz que há ainda 120 “crianças feridas sem família sobrevivente” no Hospital Al-Shifa (sendo uma ocorrência já com casos suficientes para o termo ter entrado nas classificações usadas nos hospitais). Estas crianças “não têm quaisquer familiares vivos [mesmo que sejam] distantes”, explica Abu Sitta. Muitas famílias alargadas estão juntas por terem ficado sem casa, ou por terem ido juntas para o Sul, seguindo instruções de Israel.

O risco de morte materna ou infantil, cujos números em Gaza já são elevados, é maior com a falta de condições de higiene dos hospitais e a sua superlotação – além de pessoas que procuram um lugar mais seguro, há ainda a chegada de feridos vítimas dos bombardeamentos e menos unidades de saúde abertas. Segundo um porta-voz da Organização Mundial de Saúde, 20 hospitais de Gaza (num total de 35) estavam agora totalmente encerrados.

“O sistema de saúde de Gaza atingiu um ponto sem retorno, pondo em risco as vidas de centenas de feridos, doentes e deslocados”, disse por seu lado o Comité Internacional da Cruz Vermelha num comunicado divulgado esta sexta-feira depois de relatos de mais hospitais atingidos.

Noor Hammad, 24 anos, vivia no Norte da Faixa de Gaza mas, devido aos avisos de Israel, deslocou-se para Sul e está a viver numa casa de duas assoalhadas, da irmã, com mais 25 outros familiares, em Khan Younis. “Não faço ideia onde vou dar à luz a minha filha e como a vou receber, sem abrigo ou roupas”, disse Hammad ao diário britânico The Guardian. “Não tenho nada.”

“Algumas mulheres estão a ter de dar à luz em abrigos, nas suas casas, nas ruas, no meio de escombros, ou em instalações de saúde sobrelotadas onde as condições sanitárias estão a degradar-se e está a subir o risco de infecções e complicações médicas”, lamentaram o Fundo das Nações Unidas para a infância (Unicef) e o Fundo das Nações Unidas para a População (Unfpa), num comunicado conjunto.

Já a Organização Mundial de Saúde e a UNRWA, a agência da ONU para os refugiados palestinianos, descrevem as condições nas instalações de saúde como “desastrosas”, com “quase duas pessoas por cada cama”, quando “o número de feridos aumenta a cada hora que passa”.

A enfermeira Emily Callahan, dos EUA, que estava na Faixa de Gaza com a MSF (Médicos Sem Fronteiras) mas saiu entretanto, contou a Anderson Cooper, na CNN, como a situação de saúde estava tão degradada que “crianças com queimaduras extensas, na cara, no pescoço, nas pernas”, tinham de ter alta imediata porque os hospitais estavam demasiado cheios. E a seguir tinham de ir “para campos sem água corrente, onde estão 50 mil pessoas com quatro casas de banho e duas horas de água a cada 12 horas”.

 

(Transcrito de O Público)

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