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“Dane-se o clima”, dizem neonazistas (por  Marcos Magalhães)

E o futuro? Pode-se ignorar o problema ao dizer que não há verdadeira ameaça climática

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Vista aérea RS - Estado de calamidade pública após enchentes causadas pela forte chuva atingiram o estado brasileiro do Rio Grande do Sul RS - Metrópoles
1 de 1 Vista aérea RS - Estado de calamidade pública após enchentes causadas pela forte chuva atingiram o estado brasileiro do Rio Grande do Sul RS - Metrópoles - Foto: Ramiro Sanchez/Getty Images

Quem seriam, no início do século 21, os maiores adversários do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), conhecido por suas credenciais neonazistas? A resposta pode surpreender, quando 83 pessoas morrem no sul do Brasil por causa das enchentes: os verdes.

Esses jovens idealistas, que pretendem proteger o país e o planeta dos efeitos das mudanças climáticas, como as enchentes de agora no Rio Grande do Sul, atraem o ódio da extrema-direita no país que foi o berço do nazismo.

“Sim, os verdes são os nossos maiores inimigos”, disse o vereador Lutz Jankus, da cidade de Görlitz, na fronteira com a Polônia, ao jornal britânico The Guardian, em reportagem sobre o crescimento do partido em estados que foram parte da Alemanha Oriental.

Junto a uma manifestação na praça principal da cidade, o vereador admitiu a importância do tema climático, mas por causa da forte alta nos preços da energia. Para seu partido, não se pode resolver tudo com energia do sol ou dos ventos.

“Eu não acredito que a mudança do clima seja produto do homem”, afirmou Jankus. “A mudança do clima sempre existiu”.

Manifestantes da extrema-direita presentes à manifestação, ainda que anônimos, foram mais contundentes diante das câmeras da equipe inglesa. “Clima, clima, clima!”, disse um deles. “Dane-se o clima!”

Os simpatizantes do partido neonazista queixam-se do aumento dos preços da energia e do aumento da presença de migrantes, muitos dos quais justificam sua presença no país pela condição de refugiados do clima.

A alegação não convence a AfD, que também não aceita que a Alemanha pague preço tão alto pela proteção do clima como a desindustrialização e a queda na economia.

O debate pode parecer algo distante da realidade brasileira, especialmente por tratar de estados que fizeram parte da República Democrática Alemã, que até hoje não conseguiram equiparar os índices de desenvolvimento do lado ocidental.

Mas a antipatia a causas ambientais, quando interesses econômicos estão envolvidos, podem facilmente se espalhar por outras regiões e outros países. E podem igualmente contribuir para maior radicalização nas posições políticas.

Basta lembrar que o ex-presidente americano Donald Trump, mais uma vez candidato ao cargo, retirou os Estados Unidos do Acordo de Paris, de proteção ao clima. E que existe forte lobby no próprio Rio Grande do Sul contra a desativação de minas de carvão, ainda usado para a produção de energia.

Enquanto as cenas de inundações ainda são apenas imagens de um país distante, a 11 mil quilômetros de distância, os manifestantes de Görlitz podem, talvez, atribuir menor importância às transformações climáticas que começam a transformar o planeta.

“Que se dane o clima”, como disse um deles. Nas eleições americanas deste ano muitos outros dirão o mesmo. Enquanto manifestantes se preocupam com seus empregos, populistas com senso de oportunismo buscam seus votos.

Nos Estados Unidos, Trump pescou muitos votos há quatro anos junto a eleitores insatisfeitos com a decadência econômica de estados com indústrias desatualizadas. Ele vai fazer o mesmo agora, com a sua permanente defesa do carvão e do petróleo.

A Rússia ainda depende em grande parte de suas exportações de petróleo e gás. A própria Alemanha era grande cliente do gás russo, até a invasão russa da Ucrânia. Agora busca alternativas nem sempre tão baratas, o que preocupa os consumidores-eleitores.

Trata-se de uma equação que envolve alguma negociação entre o presente e o futuro. No presente todos querem seus empregos e seu bem-estar econômico. E o futuro? Pode-se ignorar o problema ao dizer que não há verdadeira ameaça climática.

O debate está aberto. Haverá sempre os que argumentem que os riscos representados por enchentes e outros eventos extremos não são suficientes para prejudicar a economia. Pelo menos não a economia de seus próprios países, especialmente os mais ricos.

Como as áreas potencialmente mais vulneráveis geralmente se encontram em regiões onde estão países em desenvolvimento, pode ser que a maioria das imagens desses eventos extremos só cheguem mesmo aos negacionistas pelas telas de televisão.

A União Europeia, cuja principal economia é a Alemanha, país dos manifestantes de Görlitz, está entre os maiores emissores de gás carbônico, grande responsável pela mudança climática. Nos primeiros lugares estão China, Estados Unidos, Índia, União Europeia e Rússia. Em seguida vem o Brasil.

O clima já contagia a política entre os países democráticos que estão na lista, como os Estados Unidos e os que integram a União Europeia. Mais cedo ou mais tarde o tema também estará no debate político do Brasil.

O Sul, até agora o mais prejudicado pelas enchentes e pela mudança climática, tem apoiado muitos candidatos de direita ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro, conhecido pelo negacionismo em relação à ciência.

O clima estará entre as principais preocupações dos eleitores nos próximos anos? Ainda é difícil prever. O que se sabe, desde agora, é que o tema não deixará as manchetes dos principais meios de comunicação tão cedo.

 

Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.

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