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Crimes em série (por Mary Zaidan)

Bolsonaro age pró-vírus, usa o cargo para se promover, faz campanha antecipada e prega contra a lisura das urnas

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Reprodução/TV Brasil
BOLSONARO_MARABÁ
1 de 1 BOLSONARO_MARABÁ - Foto: Reprodução/TV Brasil

Não importa se é para (re)inaugurar um viaduto já entregue no ano passado, como ocorreu em Alagoas, ou uma ponte de madeira em uma estrada de terra do Amazonas, que custou infinitamente menos do que se gastou para chegar lá. O vale tudo eleitoral do presidente Jair Bolsonaro começou no primeiro dia de mandato e se acelera na proporção da queda de sua popularidade. E sem qualquer contestação sobre a autopromoção, proibida pela Constituição, e a flagrante campanha extemporânea, cuja regulação precisa deixar de ser tão troncha.

O artigo 36 da Lei 9.504/97, que impede a propaganda antecipada, foi sendo afrouxado ao longo dos anos, chegando-se a um entendimento bambo de que a única proibição seria a de “pedir voto”. Um absurdo que fere a premissa que inspirou a lei: a isonomia entre os pretendentes. Especialmente se um deles é presidente da República, tem o aparato público à sua mercê e seus deslocamentos custeados pelos impostos dos cidadãos.

Bolsonaro não é o primeiro a transformar o cargo em palanque. Muitos o fizeram e ainda o fazem nos estados e prefeituras. Lula praticamente não desceu dele nos oito anos de Presidência. Dilma, mesmo tendo embocadura frágil, tentou o mesmo. Mas ambos parecem aprendizes diante dos abusos do capitão.

A desculpa, não raro esfarrapada, é da participação em eventos de interesse público. Mas não há o que justifique mobilizar equipe precursora e aparato de segurança para ir, por exemplo, a um culto evangélico em Anápolis. Muito menos para as motocadas de fim de semana no Rio de Janeiro e em São Paulo que, somadas, custaram R$ 1,7 milhão aos cofres públicos, só para garantir a segurança do presidente.

Em nome do quê? Pode o presidente do país, que em tese preside a todos, se dedicar a eventos exclusivos para seus apoiadores, recheados de bandeiras alusivas a 2022 e com palanque “improvisado” ao final?

No caso das motociatas, cuja motivação é escancaradamente eleitoral – só o comandante do Exército fingiu não ver ao aceitar as desculpas do ex-ministro Eduardo Pazuello de que não era evento político porque o presidente não tem partido -, Bolsonaro teve o cuidado de não incluí-las em sua agenda oficial. Mas os custos foram pagos pelo país, a maior parte por fluminenses e paulistas. Mais: fotos e mentiras das motocadas – a maior do mundo, Guinness e outras baboseiras do gênero – foram inseridas em canais do presidente nas redes sociais.

Na sexta-feira, o abuso alcançou mais uma vez a instituição Presidência da República, com a distribuição oficial de fotos em que Bolsonaro, durante evento em Marabá, mostra ao público uma camiseta alusiva a 2022, afrontando o princípio da impessoalidade previsto na Constituição. A peça de campanha foi entregue a ele pelo presidente da Caixa, Pedro Guimarães, como mimo de um grupo de apoiadores.

Durante a pandemia, de março de 2020 para cá, as viagens de Bolsonaro custaram R$ 18,4 milhões, R$ 16,6 milhões em agendas com aglomerações, muitas delas encomendadas, com ônibus levando “apoiadores” para as recepções. Neste ano, ele visitou 29 cidades, com peso no Norte e Nordeste, regiões que quer conquistar. Nos palanques, repete a ladainha contra o lockdown que na verdade nunca existiu no Brasil, empenhando-se na luta contra o distanciamento social e o uso de máscara, pregando a cloroquina. Em tom efusivo, ergue o braço e fecha o punho, agradece a Deus e, em pausa ensaiada, espera os gritos de “mito”. Campanha ilegal praticada semanalmente. E impune.

Uma impunidade que pode custar caro à democracia. Não só pela vantagem diante de outros pretendentes, mas pela diabólica mensagem que tem repetido contra a legitimidade das eleições, colocando em dúvida a credibilidade das urnas eletrônicas que há 25 anos funcionam no país – inclusive para elegê-lo. Sem apresentar provas que ele diz ter mas nunca mostrou, insiste na tese de fraude. Pior: instado pelo presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, a apresentar qualquer indício, ficou mudo. Mas a direção da Polícia Federal, na qual Bolsonaro finalmente conseguiu intervir, rapidamente se ajoelhou, disparando comunicados para as 27 regionais na tentativa enlouquecida de dar lastro às acusações inconsequentes e criminosas do chefe.

Nos palanques de Bolsonaro veem-se crimes em série: o incentivo a práticas em favor do vírus que já matou mais de meio milhão de brasileiros, o uso do cargo para autopromoção, a ilegalidade da campanha antecipada e a insistente agressão à lisura das urnas. Urge impedi-lo.

 

Mary Zaidan é jornalista

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