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Contra o ódio e o preconceito (por Hubert Alquéres)

Homofobia não é monopólio da direita e diversidade não é monopólio da esquerda

atualizado

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Hugo Barreto / Metrópoles
Eduardo Leite
1 de 1 Eduardo Leite - Foto: Hugo Barreto / Metrópoles

Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul e pré-candidato a presidente da República, incomodou muita gente ao revelar sua orientação sexual no programa de entrevistas do Pedro Bial. À direita, os homofóbicos de sempre, como o presidente Jair Bolsonaro, explicitaram todo seu ódio e preconceito. Até aí, nenhuma novidade. A estranheza foi ver determinadas figuras da esquerda desqualificar e diminuir a contribuição do gesto governador à causa da diversidade.

Registre-se, não foi toda a esquerda. Figuras públicas como as gaúchas Manoela D’Ávila e Luciana Genro elogiaram a coragem de Leite. A governadora do Rio Grande do Norte Fátima Bezerra – ela mesma alvo de homofobia – também manifestou sua solidariedade. Mas foram exceções.

Nos movimentos LGBTQIA+ vinculados à esquerda prevaleceu o mutismo, quando não engrossaram o coro da desqualificação.

Dois personagens desses movimentos, o ex-deputado Jean Willis e o jornalista Glenn Greenwald, partiram para deslegitimar o governador gaúcho, por ter votado em Bolsonaro, em 2018. Foram mais longe, o acusaram de oportunismo político por agir de forma calculista, pensando na próxima disputa presidencial. Nas bolhas de redes sociais da esquerda viralizaram posts de baixo nível. Um deles com a seguinte mensagem: “Eduardo Leite votou em Bolsonaro e Jean Willis cuspiu em Bolsonaro”, como se a cusparada fosse um ato admirável e transformador.

Descobre-se assim que gay bom é o gay de esquerda. De centro ou de direita nem pensar.

Há aqui um profundo equívoco. Causas civilizatórias, como a defesa da diversidade e a luta contra a homofobia são suprapartidárias, policlassistas. Cortam a sociedade transversalmente. Enquadrá-las na disputa ideológica esquerda-direita é amesquinhá- las, é contribuir para a perpetuação do ódio e do preconceito.

Assim como a diversidade não é monopólio da esquerda, a homofobia não é monopólio da direita. Sim, há governos de direita homofóbicos, como o de Bolsonaro e o de Victor Orbán da Hungria. Mas há também governos homofóbicos de esquerda. Vide Cuba até os anos 80 onde gays eram internados em campo de trabalho forçado. Na ilha, ainda em 2018, por pressão de Raul Castro, foi removida da Constituição uma emenda que abriria as portas para o casamento de pessoas do mesmo sexo.

Na Nicarágua de Daniel Ortega a comunidade LGBT é profundamente reprimida. No Peru o vencedor da disputa presidencial, o esquerdista Pedro Castilho, é contra o casamento homoafetivo e a legalização do aborto.

Com raríssimas exceções, a esquerda brasileira sempre foi omissa na denúncia da homofobia praticada por governos de esquerda. Tudo isso em nome da causa. É a mesma categoria mental que leva setores da esquerda a serem implacáveis na denúncia de violações de direitos humanos praticados por regimes de direita, mas se cala quando o mesmo acontece em regimes de esquerda.

A causa da diversidade é bastante generosa. Não pode ser apropriada por qualquer corrente política. Seu arco-íris é amplíssimo. Nele cabem todos. Cabe Jean Willis e Eduardo Leite. Mas, infelizmente, perdura uma concepção em segmentos da esquerda como dona da verdade absoluta. São eles os puros e bons. Quem não reza por sua cartilha, deve ser execrado.

Voltemos ao governador gaúcho. O Brasil não é uma Bélgica, Canadá, Irlanda, Islândia, Luxemburgo ou Sérvia, que já tiveram primeiros mandatários gays. Aqui políticos são levados a não revelar sua orientação sexual para não verem atrofiadas suas carreiras. Tanto mais quando concorrem para cargo executivo.

É verdade, houve avanços nas últimas eleições, sobretudo para o Poder Legislativo, com a eleição de pessoas da comunidade LGBTQIA+, mas jamais um candidato potencial à presidente da República. Ao assumir publicamente ser gay, o governador gaúcho quebra um paradigma. Dá uma contribuição enorme para o enfrentamento do preconceito.

Esse é o verdadeiro sentido político do seu gesto, que ajuda a transformar a sociedade e avançar em conquistas que respeitam seres humanos. Diminuí-lo com o argumento de que votou em Bolsonaro é não entender o significado. Notem bem, votou, não fez campanha. Até porque o candidato de Bolsonaro no Rio Grande do Sul, desde o primeiro turno, foi Ivo Sartori. Entre votar criticamente em Bolsonaro no segundo turno e ser bolsonarista há uma distância enorme.

Se não fosse assim, seriam bolsonaristas (muitos hoje arrependidos) os quase 57 milhões de brasileiros que votaram no atual presidente no segundo turno. A esquerda não vai querer os votos desse enorme contingente? Vai estigmatizá-los por causa do “pecado” cometido em 2018?

Ao assumir sua orientação sexual, o governador gaúcho reconheceu o erro do seu voto em 2018. Fazer disso um anátema é se guiar pelo retrovisor. Isso não contribui para a causa da diversidade e muito menos para unir o Brasil com vistas à derrota do Bolsonarismo.

Há um lado pessoal na atitude de Eduardo Leite. O significado está muito bem traduzido nas palavras de Fátima Bezerra, ao expressar sua solidariedade: “Eu sei o que é a dor da discriminação e do preconceito”.

Jean Willis, Glenn Greenwald e muitos movimentos LGBT agiram no sentido inverso. Em uma sociedade impregnada de preconceitos, é absurdo estigmatizar quem luta contra a descriminação.

 

Hubert Alquéres é membro da Academia Paulista de Educação.

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