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Como Trump venceu as eleições norte-americanas (Por Pedro Adão e Silva)

Uma administração Harris terá como tarefa primordial reverter as conquistas da campanha Trump nas políticas

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Imagem colorida de Donald Trump, com bandeira americana ao fundo -- Metrópoles
1 de 1 Imagem colorida de Donald Trump, com bandeira americana ao fundo -- Metrópoles - Foto: Arte/Metrópoles

Na altura em que escrevo, milhões de norte-americanos dirigem-se às urnas e o resultado da eleição é incerto. Não sei por isso quem será o próximo Presidente dos Estados Unidos da América. Em todo o caso, independentemente do desfecho, a verdade é que Trump venceu. Se considerarmos como vitória política a capacidade de definir os termos do debate, de alargar as fronteiras do que é aceitável afirmar politicamente e de se colocar a si próprio e às suas bandeiras no centro da discussão, Trump ganhou. Fará muita diferença se Kamala for escolhida, mas uma administração Harris terá como tarefa primordial reverter as conquistas da campanha Trump nas políticas e, não menos relevante, na discussão no espaço público.

Porventura o legado mais duradouro de Trump é a forma como promoveu a polarização política, assente numa cultura de ressentimento que faz do ódio em relação ao outro e de um ceticismo radical face a todas as instituições de intermediação o seu combustível. Não é necessário estar particularmente atento ao que se passa nas democracias para perceber que Trump não é o único líder capaz de explorar o potencial de populismo reacionário que medra nas nossas sociedades, mas é um facto que o faz como nenhum outro. Esse legado traduz-se numa retórica simplista que privilegia a vulgaridade, faz da mentira um modo de vida político e procura anular qualquer forma de pensamento crítico. É um legado que perdurará e que potencia formas de dissolução social que são incompatíveis com uma democracia pluralista.

Há um outro novo consenso trumpiano, igualmente danoso para as nossas sociedades. A história da consolidação das democracias corre de braço dado com a formação de sociedades abertas, baseadas no comércio livre. Ao longo de décadas, Trump tem sido fiel a um discurso que vê no comércio livre e, em menor medida, na imigração as duas principais ameaças ao modo de vida norte-americano. Trump não só tem sido consequente com essas preocupações como, com persistência, foi capaz de as transformar no alfa e no ómega do debate político.

Hoje, do ponto de vista da política econômica, o protecionismo e o recuo da imigração transformaram-se no novo “consenso de Washington”. Nessa perspectiva, a clivagem entre republicanos e democratas em 2024 é muito menos visível do que era em 2016, aquando da disputa com Hillary Clinton. O fechamento económico terá vindo para ficar e o regresso de um mundo condicionado pelo recrudescimento das tarifas aduaneiras terá consequências vastas para a economia global, enquanto ameaça o multilateralismo nas relações internacionais.

O isolacionismo tem, de novo, um evidente apelo eleitoral e tem sido capaz de curto-circuitar as clivagens políticas tradicionais entre esquerda e direita. Como temos aprendido nas últimas décadas com o “Brexit”, mas também com o crescimento das formações populistas um pouco por toda a Europa, há novas coligações sociais que se formam em torno de agendas políticas que defendem o protecionismo econômico, rejeitam os fluxos migratórios e reagem a qualquer forma de transformação cultural. Essas coligações sociais estão em ascensão, pelo que Trump não deve ser encarado como uma excentricidade. Pelo contrário, é um representante de uma linha política com forte enraizamento popular. Perca ou ganhe, vai demorar muito tempo a reparar o legado do trumpismo e a reconstruir um mundo aberto, liberal e baseado em virtudes cívicas.

 

(Transcrito do PÚBLICO)

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