Começar de novo (por Roberto Brant)
Estados ausentes também não produziram formas sustentáveis de crescimento. Nenhum país se desenvolveu sem um Estado ativo
atualizado
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Há quem acredite que os países podem se desenvolver sem a intervenção dos seus governos. Se isto for realmente verdade fica difícil entender porque alguns poucos países se desenvolveram enquanto a grande maioria permaneceu em graus diferentes de pobreza e de atraso. A resposta certamente não está na geografia, mas na cultura e nas instituições, ou seja, em traços coletivos que não evoluem espontaneamente, mas dependem de uma direção. Esta direção chama-se Estado.
Desde os tempos imemoriais até a virada do século XIX a humanidade praticamente não cresceu nada em termos de riqueza material. Durante todo esse longo tempo de estagnação, no entanto, as diferenças de renda entre os povos do mundo, embora existissem, eram de pequena escala. A partir deste ponto a economia cresceu exponencialmente em quase toda a parte, mas as diferenças entre os países tornaram-se enormes. A geografia não mudou. O que mudou foi o modo como os países foram governados.
As sociedades humanas são entidades complexas. Quase todas as pessoas colocam o interesse próprio em primeiro lugar. Fazer esta multidão de individualidades integrar-se em um todo coletivo e participar de esforços cujos benefícios são distribuídos em comum, quer dizer transformar os indivíduos em cidadãos, não é uma tarefa trivial. Nem todas as sociedades conseguem isto completamente. Tudo depende da confiança dos indivíduos nos outros e nas instituições coletivas. Quando falta esta confiança as sociedades tendem à estagnação e à desordem. No lugar desta confiança que alimenta a vida cívica, as sociedades podem funcionar também pelo medo, que é o modo próprio dos sistemas autoritários.
Nestes breves duzentos anos de crescimento – apenas um instante na longa história humana – só houve desenvolvimento regular e constante nas sociedades lideradas por Estados ao mesmo tempo democráticos e ativos. Estados autoritários experimentaram surtos de crescimento, é verdade, mas, com a exceção da China, que é um experimento ainda em andamento, o crescimento não se sustentou. O medo não é a melhor solução para o progresso dos homens.
Estados ausentes também não produziram formas sustentáveis de crescimento. Nenhum país desenvolvido chegou a esta condição sem um Estado ativo. Os próprios Estados Unidos só adquiriram a escala que tem hoje após as fortes intervenções do governo Roosevelt, que rompeu una longa tradição de governos passivos. Todas as democracias sociais da Europa tiveram uma liderança clara do Estado, assim como o Japão, a Coréia do Sul e Cingapura.
A única explicação para o grande enigma brasileiro que é a pobreza econômica em meio à quase extravagante abundância de recursos, só pode ser encontrada na falta de qualidade e de grandeza da maioria dos nossos governos. Nosso país não tem um projeto estratégico, não sabe aonde quer chegar e todos os nossos esforços e recursos estão dispersos ou perdidos. Os governos se antagonizam ferozmente para manter vivas suas clientelas sectárias, sem nenhum compromisso com a sociedade em geral e sem nenhuma preocupação com o futuro. Estão presos ao presente e tem horror às grandes mudanças.
A política, no seu sentido mais alto, não é um destino inevitável, nem uma condenação eterna. Se olharmos a nossa política apenas pelo lado das suas misérias não nos restaria senão o desespero. Haverá, no entanto, sempre um espaço para a imaginação, no sentido que lhe atribuiu a grande pensadora de nosso tempo, Hannah Arendt. Imaginação que na verdade é uma compreensão mais alta de nossa condição, a que nos torna capazes de nos orientar no mundo e de começar sempre de novo.
Eu imagino que o que estamos vivendo, como tudo na vida, vai terminar. Uma nova geração de políticos chegará para ocupar o palco principal. Alguns já estão a caminho, no governo do Rio Grande do Sul, do Paraná, do Mato Grosso do Sul, de Pernambuco. Outros chegarão. O principal é que os políticos da velha ordem se retirem, para que o passado deixe de governar o presente e de fechar as portas para o futuro.
Roberto Brant, ex-ministro da Previdência Social do governo Fernando Henrique Cardoso