Cobrar dos pobres para beneficiar os ricos (Eduardo Fernandez Silva)
Com o atual Congresso é difícil inverter a pirâmide tributária, mas essa inversão é essencial para o bem-estar da maioria dos brasileiros!
atualizado
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Não, não defendo que se deva taxar os pobres em benefício dos ricos. Pelo contrário procuro, mais uma vez, mostrar que é assim que funciona a estrutura tributária de muitos países, em especial a do Brasil. Tomo o exemplo dos aviões particulares.
Essa maneira caríssima e extremamente poluente de viajar é ruim para o planeta e para 99,999% da população; no entanto, recebe subsídios governamentais de diversas maneiras. Estima-se que os jatos privados emitam 10 vezes mais poluentes por passageiro que a já extremamente poluente aviação comercial. Estima-se, também, que o patrimônio líquido médio dos proprietários de jatos privados supere os US$100 milhões! No planeta, há cerca de 70 mil pessoas com patrimônio tão grande, o que faz com que os proprietários de jatos particulares representem 0,0008% da população global. Esses pouquíssimos exercem mais poder e influenciam mais as políticas públicas – inclusive a tributária! – que 99,99% da população, o que é razão suficiente para indagar se “democracia” teria se tornado uma fake word!
No Canadá existe, desde 2018, um imposto de 10% sobre o valor de jatos privados novos. Lá, assim como nos EUA, há a obrigação de a empresa proprietária justificar seu uso, para evitar que sirvam, com frequência, para o lazer de seus dirigentes e para fazer lobby. No Brasil inexiste exigência similar; assim, o lazer e o lobby desses ricaços reduzem o lucro tributável da empresa proprietária, diminuindo o imposto a pagar; ou seja, os custos são divididos pelo conjunto da população!
Em nosso país não se cobra o IPVA sobre jatinhos, mas sim sobre um carro barato e bem usado, assim como sobre o caminhão e o ônibus, mais uma vez onerando a população pobre em benefício dos muito ricos! Triste Brasil onde, apesar desses fatos, falar em elevar a tributação sobre os muito ricos tornou-se anátema!
Na União Europeia, e mesmo nos EUA, a estrutura tributária é progressiva – apesar de muitos “furos” que permitem esconder grana, inclusive em paraísos fiscais – enquanto, aqui, ela é regressiva. Dizer que taxar os muito ricos fará com que eles abandonem o país é balela: eles até poderão levar seus jatos, mas como levar os bois, as fazendas e as fábricas?
A “proibição” do debate sobre taxar os muito ricos se tornou tão forte que até o atual governo parece temer mencionar tal possibilidade de forma clara! Deve-se, porém, lembrar que a maioria dos congressistas brasileiros integra ou representa o grupo dos muito ricos; assim, falar em elevar impostos sobre essa pequeníssima faixa da população pode, sim, criar mais dificuldades no relacionamento entre Executivo e Legislativo! Sutilezas da democracia, que resguarda interesses dominantes de diversas e pouco claras maneiras!
No Brasil, a aviação privada – dita “aviação geral” embora seja tão exclusiva! – realizou, em 2020, 280 mil pousos e decolagens, contra 466 mil das companhias aéreas. No entanto, os aeroportos são construídos e mantidos, principalmente, pelo Estado, o que configura outro tipo de subsídio aos mais ricos, pagos pelos mais pobres.
Com o atual Congresso é difícil inverter a pirâmide tributária, mas essa inversão é essencial para o bem-estar da maioria dos brasileiros! Considerando que a frota brasileira de jatos privados é tida como a terceira maior do mundo, a questão é relevante e poderia contribuir para o equilíbrio das contas públicas, além de tornar o país menos desigual!
Eduardo Fernandez Silva. Mestre em Economia. Ex-Diretor da Consultoria legislativa da Câmara dos Deputados