Ciência, politização, e o episódio Djokovic (por Ricardo Guedes)
A negação do conhecimento para benefícios políticos por grupos desprovidos de cultura e de valores na obtenção do poder para o poder
atualizado
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Tendo feito Física e Ciências Sociais, dediquei-me significativamente ao estudo da epistemologia, ou seja, o estudo do conhecimento e da ciência, como formas humanas de aproximação da realidade.
O primeiro modelo científico e que mais durou na história foi o modelo de Aristóteles tendo a Terra como centro do universo. Não caímos da Terra porque os corpos tendem a cair para o centro, e os movimentos dos planetas são explicados através de engenhoso modelo com mais de 40 esferas de vidro que giram concatenadas entre si. Ao fundo, a esfera fixa das estrelas.
Este modelo foi contestado e alterado por Galileu, com a Teoria Heliocêntrica do Universo. O movimento das luas de Jupiter não poderiam ser explicados a partir de esferas posto que as luas circundavam Jupiter, sem a possibilidade da intercessão entre as esferas poderem ocupar o mesmo espaço no mesmo tempo na descrição dos movimentos. Com as Leis de Newton e da Gravitação Universal, os movimentos foram explicados, o que possibilita hoje enviarmos naves ao espaço e a outros planetas. Estudos sobre a luz e a matéria e discrepâncias na órbita de Mercúrio fizeram Einstein formular a Teoria da Relatividade, com evidências empíricas de suas inferências, em formulação mais complexa e abrangente às leis de Newton.
Carl Hempel sintetiza a ciência como modelos de aproximação da realidade, que mudam através de paradigmas de revolução científica como descrito por Thomas Kuhn. Michael Polanyi nos fala sobre a “República da Ciência”, regida pelos “colégios invisíveis” de Diane Crane, na validação experimental de seus resultados pelos pares. Nas Ciências Sociais, os conceitos são “construtos” que, uma vez formulados, regem-se pela lógica científica e da validação pela observação, conforme Weber. Os conceitos, como o de “família”, podem se alterar ao longo do tempo, mas uma vez precisados se concatenam segundo a lógica científica. Por alterarem, diz Simon Schwartzman em brilhante insight, as Ciências Sociais têm o “dom da eterna juventude”.
A politização atual no mundo em torno da Ciência expressa não mais do que interesses escusos de negação do conhecimento para benefícios políticos por grupos desprovidos de cultura e de valores na obtenção do poder para o poder. Galileu, quando conclamado a negar em público que o sol estaria no centro do universo, teria se virado e dito ao Papa, “mas que está, está”.
O episódio Djokovic na Austrália, tenista admirado por todos nós, impedido de participar do torneio e tendo que deixar o país por não ter apresentado atestado de vacina contra o Covid, é emblemático do momento atual que diferencia entre países e grupos que preservam a ciência e seus valores, e do grupo que se arvora o direito de romper o direito para a obtenção de suas prerrogativas em detrimento dos demais.
O filme Don’t Look Up mostra-nos de como a ignorância junto com a ganância podem levar ao desastre.
Ricardo Guedes é Ph.D. pela Universidade de Chicago e CEO da Sensus