Churchill nu (por André Gustavo Stumpf)
Duas guerras devastadoras estão em curso neste momento, mas em nenhum dos dois cenários a ONU conseguiu fazer valer sua importância
atualizado
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Durante a Segunda Guerra Mundial, depois que os norte-americanos decidiram entrar no conflito, Winston Churchill passou longas temporadas na Casa Branca, em Washington. Ele e Franklin Roosevelt mantiveram demoradas reuniões, em muitas conversas em que, aliás, o primeiro-ministro introduziu a bebida alcóolica no ambiente puritano do presidente norte-americano. Brotou uma genuína amizade entre os dois. Eles se falavam diariamente. Concordaram, por exemplo, que era necessário criar um mecanismo para evitar guerras tão letais e destruidoras quanto aquelas que, naquele momento, se desenrolavam na Europa e na Ásia.
Não conseguiram, contudo, descobrir o nome da nova instituição multilateral. Certo dia, Roosevelt teve a ideia: United Nations (Nações Unidas). Ele ficou tão entusiasmado que foi ao apartamento de Churchill, na sua cadeira de rodas, e entrou sem avisar. Encontrou Churchill completamente nu, saindo do banho. Com o corpo rosado e barrigudo, o primeiro-ministro não se conteve e disse:
– Como o sr. pode ver, Presidente, o governo de Sua Majestade não tem nada a esconder dos Estados Unidos.
Os dois caíram na gargalhada e assim foi dado o primeiro passo para a ONU nascer. Houve um período entre 25 de abril e 26 de junho de 1945 em que representantes de cinquenta países se reuniram para formular a Carta das Nações. Depois, em São Francisco, na California, representantes daqueles 50 países assinaram a Carta no dia 24 de outubro de 1945. A Polônia assinou depois. Mas o país é considerado um dos 51 países fundadores da ONU (Organização das Nações Unidas). O Brasil está neste grupo. Hoje a instituição reúne 193 países.
Na época foi criado o Conselho de Segurança da instituição, constituído por membros efetivos e outros que integrariam o colegiado por período determinado. Os cinco privilegiados que conseguiram o direito de veto foram os seguintes: República da China, União Soviética, Reino Unido, Estados Unidos e o governo Provisório da República da França. Ou seja, os vencedores da guerra, que o tempo se encarregou de afastar uns dos outros. A República da China em 1949 se mudou para Taiwan, porque o país se tornou a China Comunista. A República Provisória da França foi a França de De Gaulle, que sempre quis caminhar sozinha.
Os vitoriosos criaram as Nações Unidas. Depois o mundo viu a guerra fria entre Estados Unidos e aliados contra a União Soviética e seus satélites. A União Soviética se derreteu, a Alemanha se reunificou e o mundo do século 21 é substancialmente diferente daquele em que foi imaginada a proposta de criação de uma entidade multilateral para cuidar da paz. O cenário político de hoje ainda é baseado e fundamentado na geopolítica de 1945.
O presidente Lula tem razão quando diz que a ONU precisa ser reformulada e adequada ao mundo atual. Duas guerras devastadoras estão em curso neste momento, mas em nenhum dos dois cenários a ONU conseguiu fazer valer sua importância. O ministro de Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, que presidiu a mais recente reunião do Conselho de Segurança, admitiu ter sido uma vergonha não chegar a um consenso para, ao menos, decidir por um cessar-fogo temporário no conflito na Palestina.
Os Estados Unidos vetaram a proposta do Brasil que obteve 12 votos, em 15, para ocorrer um cessar-fogo. Outras propostas receberam vetos. Veto contra veto faz com que o Conselho de Segurança não saia do lugar. Israel, aliás, não costuma levar em consideração decisões da ONU. Sua política de colonizar áreas da Cisjordânia, que é terra dos palestinos, causa controvérsia e já foi firmemente condenada pelas Nações Unidas. No entanto, Israel tem licença para matar. Seu Exército bombardeia o gueto de Gaza dia e noite. É a dura resposta à ousadia do Hamas, grupo fundamentalista com viés religioso, ligado ao Irã, que pulou a cerca que envolve aquela prisão ao ar livre e atacou seriamente colonos, crianças, mulheres e civis.
A diplomacia brasileira agiu no seu limite. Organizou junto com a FAB uma bela operação de repatriação dos nacionais que estavam em Israel e na Cisjordânia. Aguarda a liberação dos que estão dentro de Gaza. Os norte-americanos decidiram que a questão da Palestina é assunto deles. O presidente Joe Biden foi a Telavive exclusivamente para conversar com Netanyahu, primeiro-ministro. E já empacotou armas destinadas à defesa de Israel. A política externa norte-americana se conecta com a política interna. O presidente é candidato a reeleição. Quer o voto judeu, que é forte nos Estados Unidos. O mundo de hoje é diferente daquele de 1945, mas os donos do poder são os mesmos.
André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)