Brincando com o próprio quintal (por Roberto Caminha Filho)
Se o prefeito é o artista principal desse teatro eleitoral, o vereador é o coadjuvante que, muitas vezes, rouba a cena
atualizado
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Claro! Depois dos debates da quinta-feira, o tema das eleições municipais no Brasil, martela a minha cuca e o Capeta fica citando a famosa frase do governador paulista André Franco Montoro: “É no município que as pessoas vivem, é no município que os problemas acontecem e é no município que as soluções devem ser encontradas.”
Todo ano de eleição, o brasileiro ganha um novo hobby: brincar de escolher prefeito e vereador. Não, não estamos falando de um “hobby” daqueles sérios, que envolvem pesquisas aprofundadas sobre os candidatos ou um debate intenso sobre as prioridades da cidade. Longe disso. A escolha municipal deveria ser levada tão a sério quanto o café da manhã, o time do Flamengo e a velocidade da internet. O tema acaba sendo tratado como aquela festa surpresa mal planejada — ninguém sabe direito quem vai aparecer e, no final, todo mundo sai com aquela cara de “deu ruim, mas já era”.
A frase do ex-governador paulista André Franco Montoro nunca foi tão atual: “É no município que as pessoas vivem, é no município que os problemas acontecem e é no município que as soluções devem ser encontradas.” Mas quem disse que nós levamos isso a sério? O eleitor médio brasileiro parece esquecer que a coleta de lixo, a saúde básica, o trânsito caótico, as calçadas invisíveis e o buraco na esquina são coisas que, veja só, dependem diretamente do prefeito e dos vereadores que ele mesmo escolhe, ou deveria escolher, né? Porque o que rola mesmo é o famoso “tanto faz, pior não fica” – uma frase que deveria estar gravada em mármore na entrada das prefeituras.
As eleições municipais no Brasil parecem uma chanchada do Zé Trindade e Grande Otelo com um desfile de Carnaval. Os candidatos surgem com promessas mirabolantes, como se estivessem competindo pelo prêmio de melhor enredo da Sapucaí. “Vamos construir um hospital em cada bairro!”, “Prometo acabar com os buracos nas ruas em seis meses!”, “Vai ter wi-fi gratuito até nas pracinhas de cachorro!” E o amigo eleitor? Aplaude, vibra e escolhe o “samba-enredo” que mais lhe agrada, sem pensar que no ano seguinte ele estará reclamando da falta de asfalto na porta de casa. Ao eleitor amigo cabe incluir a famosa pergunta: Como?
E, assim como no Carnaval, o que fica mesmo é a ressaca pós-eleição. Depois que o confete eleitoral se assenta, o cidadão volta à realidade: filas nos postos de saúde, trânsito infernal, e aquela eterna pergunta que ecoa na mente de cada um de nós, em plena segunda-feira chuvosa: “Por que, meu Deus, eu votei nesse cara?”
Se o prefeito é o artista principal desse teatro eleitoral, o vereador é o coadjuvante que, muitas vezes, rouba a cena. É ele quem promete ser “o seu representante”, a sua voz na câmara municipal. Na prática, porém, muitos vereadores acabam sendo mais parecidos com aquele amigo que só aparece quando precisa de algo.
O mais curioso é que o brasileiro, sempre Malasarte, tem uma estranha mania de eleger vereadores “diferentões”. Vai entender o fascínio por celebridades instantâneas, jogadores aposentados, artistas de TV em baixa e até influenciadores digitais. Parece que, na cabeça do eleitor, ser vereador é mais uma questão de carisma do que de competência. “Ah, ele é gente boa, vou votar nele!” – e lá vai o cidadão dando o seu voto-aval para o próximo fiscal do município, enquanto, no fundo, sabe que a coleta de lixo, os mercados imundos e a buracolândia… continuarão sendo um problema.
E aí, quando o caos se instala e o município está à beira de um colapso, o brasileiro olha para trás, lembra daquela frase de Montoro e, num raro momento de lucidez, conclui: “É, no fim das contas, talvez eu devesse ter escolhido melhor.” Mas aí, amigo, a Mariquita já está morta, o Carnaval já passou, o desfile acabou, o Capeta está na Apoteose e não dá para desfazer a escolha até a próxima eleição.
E assim segue o ciclo da política municipal no Brasil: o eleitor brinca, se diverte e, quando a ficha cai, descobre que o palco dos problemas – e também das soluções – sempre foi o quintal de casa. Pena que o quintal, esse ano, ficou cheio de buracos e cocô… outra vez.
Roberto Caminha Filho, economista, esteve, recentemente, no sul e nordeste. O Capeta já sorrindo.