Bravo, PF! (por Mary Zaidan)
Tudo o que o país sabe sobre a hedionda tentativa de golpe de Estado é mérito da Polícia Federal
atualizado
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Com o indiciamento do ex Jair Bolsonaro e de outros 36 acusados, 25 deles militares (da ativa e da reserva), a Polícia Federal encerrou o inquérito principal sobre a tentativa de golpe de Estado planejada para impedir a posse de Lula em 2023. Mas a trama, que envolvia até o assassinato do presidente eleito, do vice Geraldo Alckmin e do ministro do STF Alexandre de Moraes, ainda deverá ter novos capítulos. Falta concluir a Operação Contragolpe, que prendeu preventivamente cinco envolvidos na última semana, e as investigações da Abin paralela, cada vez mais conectadas ao golpe frustrado.
À exceção do depoimento do policial federal Wladimir Matos Soares, que apontou um ex-integrante da Abin como seu aliciador, ainda não se tem notícia sobre as oitivas dos quatro outros presos. Entre eles a peça-chave, general Mario Fernandes, chefe substituto da Secretaria Geral da Presidência no governo Bolsonaro, de 2020 a 1º de janeiro de 2023. Foi ele quem imprimiu, dentro do Palácio do Planalto, o planejamento da operação Punhal Verde Amarelo, que previa “extinguir” a chapa presidencial vencedora e “eliminar” o ministro Moraes.
O general Fernandes é quem pode confirmar a identidade de “Juca”, o esquerdista que influenciava Lula e que também deveria ser “eliminado”. E detalhar o papel do coronel Reginaldo “4 linhas é o caralho” Vieira Abreu, entusiasta das ações golpistas. Tratado nas mensagens desencriptadas por Velame. ele reclamou da presença de “éticos” na reunião com Bolsonaro, que deveria se restringir a um “petit comité” só com a “rataria”. Vieira Abreu, que, curiosamente, não teve prisão preventiva decretada e não está na lista dos indiciados, deve pelo menos explicações de quem compunha a “rataria”. Agora, a bola está com a Procuradoria-Geral da República, a quem cabe formular ou não a denúncia a ser feita ao Supremo.
Transformado por muitos em heroi da democracia, o que lhe conferiu discutíveis super poderes, o ministro Alexandre de Moraes teve e tem papel central na condução do inquérito sobre as atividades golpistas. Mas o que o país sabe hoje é fruto das diligências da Polícia Federal. Portanto, embora Moraes seja o inimigo número 1 do bolsonarismo, pintado como capeta durante e depois de encerrado o mandato do ex, demonizado em praça pública e alvo de “eliminação” por golpistas, é na Polícia Federal, e não no ministro, que os fieis do capitão deveriam centrar fogo.
O novelo e os seus nós foram desembaraçados pela PF. Da falsificação de registro de vacina no SUS às joias sauditas, da minuta do golpe apreendida na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres e corrigida pelo próprio Bolsonaro, à inimaginável (e tosca) estratégia para matar Lula, Alckmin e o magistrado.
A troca de mensagens por celulares frios, a localização de golpistas por georreferenciamento e a participação direta e indireta do oficialato nos planos; o uso da “live da Argentina”, uma mal ajambrada fake news sobre fraude nas urnas, transmitida por Fernando Cerimedo, hoje na equipe do presidente argentino Javier Milei, que visava a pôr fogo na opinião pública para angariar apoio ao golpe. Tudo comprovado e alinhavado pela PF.
O apoio explícito aos acampamentos em frente aos comandos militares, a ordem para o “churrasco”, com a invasão da sede da PF e fogo em veículos na capital federal no dia da diplomação de Lula, e ao que tudo indica, a “festa da Selma”, senha do 8 de janeiro de 2023 para a tomada e depredação dos palácios da República. Tudo investigado pelos agentes da Polícia Federal – organização responsável pelo indiciamento de Bolsonaro e os seus.
A Moraes coube autorizar diligências, prisões preventivas e interrogatórios. Agora, o calhamaço de quase 900 páginas com as investigações, documentos probatórios, conclusões e indiciamentos feitos pela PF segue para a PGR, que deverá se pronunciar no início do próximo ano. Só aí, o material poderá voltar ao STF, ou seja, às mãos do relator Moraes, que deve submeter o aceite ou não da denúncia à Primeira Turma ou ao plenário da Corte.
Espera-se – o que deveria ser óbvio mas que nem sempre o é -, que em se tornando réus, os envolvidos tenham amplo direito de defesa e, se culpados, a justiça seja feita com as punições previstas em lei. De pronto, é preciso que o país faça justiça à Polícia Federal: é dela o mérito exclusivo pelo desvendamento da hedionda trama para detonar a democracia. Vale agradecimento e até vivas.
Mary Zaidan é jornalista