Brasil, um país Kodak (por Eduardo Fernandez Silva)
As maiores forças políticas no Brasil negam, desconhecem ou minimizam tendências que se fortalecem mundo afora e dominarão o futuro
atualizado
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Para quem não lembra, a Kodak foi uma multinacional que dominou o mercado fotográfico; seus proprietários, dos mais ricos do planeta. Hoje, tornou-se exemplo de fracasso por negar, desconhecer ou minimizar a necessidade de mudanças para acompanhar tendências então incipientes – no caso, a fotografia digital – e acabou alijada do mercado. Faliu!
As maiores forças políticas no Brasil negam, desconhecem ou minimizam tendências que se fortalecem mundo afora e dominarão o futuro, assim como hoje, em seu campo, a foto digital. Daí ser a perspectiva do Brasil semelhante à da Kodak, embora falência não seja opção para países. Nestes, quando alheios a tendências crescentes, o futuro é de pobreza para a maioria da população, enquanto uma minoria busca imitar o padrão dos mais ricos daqueles países que, sim, reconheceram e ajudaram a criar as tendências que passam a dominar.
Muitos dirão que o Brasil não se assemelha à Kodak porque nunca foi tão forte quanto ela. Engano, mostra Celso Furtado ao calcular que, no século XVII, com a produção de açúcar, o agronegócio de então, a renda per capita no Brasil – mesmo contando os escravizados – era muito superior à dos europeus! No século seguinte, com a extração do ouro – hoje alguns diriam, como se faz com o petróleo, enganosamente, “produção” de ouro – o diferencial de renda manteve-se favorável ao Brasil. Além de mostrar que o Brasil já foi, sim, destaque internacional, a elevada renda per capita de então, com tantos despossuídos até de seus próprios corpos, evidencia também, mais uma vez, que a ideia de PIB como sinal de “sucesso” tem que ser abandonada.
As tendências citadas formam, em conjunto, a única agenda capaz de reverter as duas degradações legadas aos habitantes do século XXI: a do ser humano e a do ambiente. São elas, numa lista incompleta: reduzir a extração total de materiais da natureza, acabar a pobreza, alongar a vida útil dos produtos e reciclá-los, caminhar rumo à geração zero de lixo, abandonar os combustíveis fósseis, substituir o transporte individual pelo coletivo, retirar os automóveis das cidades e assegurar que estas cresçam pela multiplicação de espaços “agradáveis” de uso múltiplo, reduzir o uso de agrotóxicos, de plásticos de uso único e de refrigerantes, recuperar nascentes, assegurar água limpa para todos, eliminar a disposição não tratada de esgoto, ampliar o espaço de florestas e parques, assegurar a sobrevivência daqueles que já foram ou serão expulsos do mercado de trabalho pela inteligência artificial, adotar impostos progressivos …
O Brasil não avança ou regride em todos os itens. Muitos dirão ser a lista irrealizável, que é fantasia pensar que tais tendências se tornarão dominantes. Como, provavelmente, terão pensado os dirigentes da Kodak sobre a foto digital.
Eduardo Fernandez Silva. Mestre em Economia – Ex-Diretor da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados