Brasil precisa fazer a sua parte no G-20 (por Marcos Magalhães)
Engajar o mundo na luta contra a pobreza e manter o brilho da Cúpula do G-20 após a eleição do Trump
atualizado
Compartilhar notícia
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem pela frente um duplo desafio: engajar o mundo na luta contra a pobreza e manter o brilho da Cúpula do G-20 após a eleição para a presidência dos Estados Unidos de Donald Trump.
Lula tem feito progressos na primeira frente. Na abertura da cúpula do G-20 no dia 18, no Rio de Janeiro, ele vai anunciar o lançamento da Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, uma iniciativa destinada a unir esforços contra as duas grandes ameaças, até 2030.
A aliança já tem – nas palavras do embaixador Maurício Lyrio, sherpa do Brasil no G-20 – um “significativo número de adesões, que tendem a aumentar”. Uma delas é a do ainda presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.
E aqui entram as dificuldades para enfrentar o segundo desafio. Ainda que Biden seja signatário da aliança, seu sucessor dificilmente a levaria a sério. Assim como não discutiria seriamente outros temas levados à cúpula pela presidência brasileira.
De fato, é a primeira vez que temas sociais alcançam tamanha relevância nos debates das reuniões dos países que detêm as maiores economias do planeta.
As palavras fome e pobreza chegam ao topo da agenda política acompanhadas por uma expressão – “aliança global” – que colore ainda de ousadia a iniciativa.
Na tarde de segunda-feira e na manhã de terça-feira, dois outros temas de grande apelo para os países emergentes estarão em pauta: a reforma da governança global e o desenvolvimento sustentável e as transições energéticas.
Ou seja, entrarão em debate os delicadíssimos assuntos da distribuição de poder em órgãos como o Conselho de Segurança das Nações Unidas e o Fundo Monetário Internacional. Assim como o financiamento aos esforços de combate ao aquecimento do planeta.
Tudo isso a caminho da declaração dos líderes presentes na cúpula, cujos contornos serão o resultado de delicadas negociações sobre a busca da paz e a situação da Guerra da Ucrânia e do conflito na Palestina.
A dedução mais rápida é a de que não haverá temas fáceis sobre a mesa nos debates que ocorrerão no Museu de Arte Moderna, às margens da Baía de Guanabara. Por isso mesmo, qualquer pequeno sinal de consenso já será bem recebido.
Ainda mais após a eleição de Donald Trump. Com sua inclinação ao isolacionismo e sua pouca simpatia a questões ambientais, existe mesmo o risco de que mesmo pequenos consensos sejam bombardeados por seu governo.
Isso diminui a importância do G-20? Depende do ponto de vista. Existem os que já identificam o esvaziamento da reunião de cúpula, uma vez que Trump tenderia a dar pouca ou nenhuma importância às decisões a serem tomadas no Rio.
Mas há também sinais de que a inclusão no topo da agenda global de temas como o combate à fome e à pobreza e o financiamento da transição energética poderá ter efeitos mais permanentes. Não será fácil apagar esses itens da pauta de futuros encontros.
Os maiores críticos do atual governo brasileiro acreditam que Lula perderá sua grande oportunidade de ser protagonista diante do mundo, uma vez que, nos Estados Unidos, o poder já se move de Washington para Mar-a-Lago, onde Trump reside na Flórida.
Existe, sim, o risco de uma cúpula esvaziada pela transição de poder na principal potência mundial. Trump, de fato, chegará muito forte à liderança de seu país em janeiro, com seu desprezo pela agenda social e suas ideias muito próprias sobre a crise climática.
Sem menosprezar seu poder e influência, porém, será preciso ler com atenção os detalhes da declaração de líderes a ser aprovada no Rio de Janeiro. Pois ela pode conter progressos pouco desprezíveis em relação ao atual estágio de debates no cenário global.
Ninguém espera uma declaração incisiva sobre a Ucrânia ou a Palestina. Nem mesmo promessas de rápidas mudanças na governança global. Mas pode haver acenos importantes sobre temas que interessam de perto aos países emergentes.
No caso do Brasil, por exemplo, qualquer pequeno passo que reduza o risco de ampliação das guerras poderá ajudar a atrair mais atenção a temas que interessam mais de perto a milhões de pessoas que vivem longe dos países mais ricos.
“É preciso ter paz para que nós possamos concentrar atenção política e recursos financeiros naquilo que deveriam ser os objetivos mais altos da comunidade internacional: o combate à pobreza e a promoção do desenvolvimento sustentável, inclusive ao combate à mudança do clima”, observou Lirio em briefing sobre a cúpula.
Os países ricos podem não estar prontos para mudar de forma radical o roteiro dos encontros do G-20. E a sombra de Donald Trump poderá ofuscar iniciativas destinadas a trazer às relações internacionais um pouco mais de solidariedade e inclusão.
Ao Brasil cabe fazer a sua parte: liderar todos os esforços possíveis em busca de consenso sobre temas que interessam de perto a uma grande fatia da população global.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.