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Brasil paga caro pela hostilidade do governo Bolsonaro (por Marcos Magalhães)

Reconstrução de imagem do Brasil para reduzir danos começa pelo setor privado que já concluiu que governo não vai mudar

atualizado

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Ernesto Araújo ministro do Itamaraty no governo bolsonaro pede demissão
1 de 1 Ernesto Araújo ministro do Itamaraty no governo bolsonaro pede demissão - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

Circulou nos últimos dias em Brasília, entre grupos de WhatsApp, um vídeo em que parlamentares europeus fazem críticas mais do que contundentes à condução, pelo governo brasileiro, do combate à pandemia da Covid 19.

Em espanhol, inglês e português, eles se revezam ao microfone para responsabilizar diretamente o presidente Jair Bolsonaro pela extensão do dano provocado pelo vírus. Não apenas pelo número de mortes já ocorridas no país, que já ultrapassaram as 400 mil, mas também pela ameaça que o capitão representaria a todo o planeta.

“Bolsonaro não é só um perigo para o Brasil”, resume um parlamentar espanhol, na abertura do vídeo. “Mas um perigo para todo o mundo”.

Não é a primeira vez que vídeos com uma espécie de “melhores momentos” dos debates entre parlamentares europeus são compartilhados na capital federal. Antes eram principalmente debates sobre a destruição ambiental no Brasil. Agora ressaltam a gestão da pandemia. Em comum, uma crítica avassaladora às ações e omissões do governo brasileiro.

Sobrevoo

Se teve intenção em assistir aos vídeos, no final de semana, Bolsonaro não terá tido tempo. Ele dedicou boa parte de domingo a sobrevoar de helicóptero, mais uma vez, manifestação de seus simpatizantes a favor de uma intervenção militar no país, acompanhada de eufemísticos “expurgos” nos Poderes Legislativo e Judiciário.

E assim derreteu-se um pouco mais a imagem que o resto do mundo tem do Brasil. O outrora simpático gigante sul-americano passou a ser visto, na era Bolsonaro, como uma ameaça à Amazônia, à saúde pública e à própria democracia.

As velhas receitas nacionalistas ainda estão aí para ajudar quem se enrola na bandeira brasileira para classificar as críticas como ataques à soberania do país. Ou para imaginar novas formas de insulto a países que costumavam ser vistos como parceiros.

Mas o fato é que as críticas externas, cada vez mais severas e frequentes, vieram para ficar. Pelo simples fato de que o atual governo brasileiro dificilmente vai mudar de curso em áreas sensíveis como o combate à pandemia, a proteção do meio ambiente e o compromisso com a democracia.

Basta ver a admiração do deputado Eduardo Bolsonaro, maior expert da dinastia por questões externas, pela decisão do jovem presidente de El Salvador, Nayib Bukele, de depor todos os juízes da Suprema Corte de seu país. “Tudo constitucional”, celebrou Eduardo nas redes sociais.

Na área ambiental, as promessas feitas por Jair Bolsonaro na Cúpula do Clima convocada pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, foram recebidas com a esperada frieza. E mesmo o tardio pedido ao mundo de mais vacinas, apresentado pelo novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, foi visto com ceticismo. Como diriam os americanos, pouco demais, tarde demais.

Preço

A deterioração da imagem do país tem seu preço. Dói no coração brasileiro ouvir o que dizem no exterior. E o país como um todo também perde, quando passa a ser visto com ceticismo e até com hostilidade. Aquele bem intangível que a gente se acostumou a chamar de soft power está se perdendo pouco a pouco.

É difícil dizer se o presidente Bolsonaro e os integrantes de seu círculo mais próximo de colaboradores se importam com isso. Nunca é demais lembrar que o ex-chanceler Ernesto Araújo se orgulhava de dizer que o Brasil havia se tornado um pária no mundo.

Mas tem muita gente se dando conta de que esse tiro na imagem do país fere seus próprios interesses. A começar, claro, pelos grandes exportadores de produtos agropecuários, que vêm as vendas ameaçadas pela desconfiança internacional a respeito dos efeitos de suas atividades sobre o clima do planeta.

Ou pelo silencioso boicote da China, que reduziu suas importações de soja depois das palavras pouco generosas da família Bolsonaro sobre seu país.

Outros exportadores já começam a sentir a reação de consumidores estrangeiros. Acordos comerciais – a começar pelo negociado com a União Europeia – vão para a geladeira. E até o turismo, quando se recuperar da pandemia, poderá trazer surpresas pouco agradáveis.

Opções

Diante de tudo isso, o que fazer? Seria mais fácil acreditar que Bolsonaro pode, em breve, ser convidado a deixar o Palácio do Planalto. Mas o sucesso de um processo de impeachment ainda soa bastante duvidoso. E ele ainda tem provavelmente vinte meses de governo pela frente.

É muito tempo. Durante esse período, não vai mudar a postura de Bolsonaro diante de temas como a pandemia, a democracia e os desmatamentos na Amazônia. Ele não vai deixar de dizer o que pensa. E as suas palavras continuarão a fazer um grande estrago à imagem do país.

Entre seus opositores cresce a tentação de imaginar um novo futuro a partir de 2023, após a posse de um novo presidente. A imagem do Brasil começaria a se recuperar assim que – por exemplo – o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva retorne em grande estilo ao Palácio do Planalto.

Pode ser que isso aconteça. Joe Biden está aí para mostrar como se pode mudar a percepção de um país pelo resto do mundo em pouco mais de 100 dias. No caso brasileiro, porém, ainda há pelo menos 600 dias pela frente de governo Bolsonaro. Quando tudo pode acontecer.

Se ficarem de braços cruzados, os brasileiros que sonham com o resgate da imagem do país a partir de janeiro de 2023 podem ficar até lá como os personagens da peça do irlandês Samuel Beckett, publicada em 1952.

Eles parecem congelados no tempo. “Vamos embora”, propõe Estragon, o primeiro personagem, em um dos diálogos do início da peça. “A gente não pode”, responde Vladimir, o segundo personagem. E por quê? “Estamos esperando Godot”.

Respostas

Pouca coisa acontece no palco de Beckett. A ação sempre fica para depois. Na vida real dos próximos 20 meses, o governo Bolsonaro ainda vai manter a ofensiva. A oposição parlamentar vai dar sua resposta na comissão parlamentar de inquérito criada para investigar os atos e omissões do governo no combate à pandemia. Mas não basta.

A forma como o Brasil continuará percebido pelo mundo ao longo dos próximos 600 dias vai depender muito da ação de outros atores. Podem ser prefeitos e governadores. Ou, talvez até principalmente, representantes do empresariado e da sociedade civil. Gente capaz de levar ao resto do mundo notícias de um Brasil anestesiado, mas que ainda respira.

Alguns exemplos começam a aparecer. O Rio de Janeiro, um dos principais símbolos do Brasil, estava entregue à própria sorte. Após quatro anos de obscurantismo de um prefeito que se aliou a Bolsonaro na tentativa frustrada de reeleição, a cidade começa a buscar novo rumo com apoio da sociedade civil. Um rumo capaz de recolocá-la no mapa do turismo mundial.

A penúria de recursos ainda está lá, cinco anos depois dos Jogos Olímpicos. Mas a nova administração aposta na recuperação a partir de um amplo programa de revitalização de sua área central. Arquitetos, artistas e empresários foram chamados a participar e já divulgaram nas redes sociais mensagens de apoio ao Reviver Centro.

Empresários de vários setores também começam a se movimentar. Em reação à onda conservadora que tomou o país a partir de 2019, 800 empresas se uniram, como registrou no domingo o jornal O Estado de S. Paulo, contra projeto de lei estadual que se destinava a limitar a participação em peças de publicidade de representantes da comunidade LGBTQIA+.

Segundo a reportagem, diversas empresas brasileiras estão se unindo em favor da diversidade, mas também em benefício de causas sociais e ambientais. Como se buscassem preencher parcialmente um vácuo aberto pelo atual governo, muito criticado internacionalmente por suas políticas públicas nessas mesmas áreas.

“O setor privado deve ser um importante agente de transformação social”, disse ao jornal João Paulo Ferreira, presidente para a América Latina da Natura, empresa que se empenha em criar riqueza a partir do uso sustentável da floresta – e não contra ela.

“A crise atual é um chamado à atuação das empresas, ao nos lembrar que estamos todos interconectados e somos interdependentes”.

Se o Brasil quer lembrar ao mundo que não se identifica com os ataques à ciência, ao meio ambiente e à democracia, cada vez mais a sociedade civil vai ter que tomar a iniciativa. Afinal, Godot ainda pode demorar.

Marcos Magalhães  escreve no https://capitalpolitico.com/

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